segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

DOCE LAQUÊ


Nunca entendi a minha atração por salão de beleza.

Havia um mistério na neblina das escovas e dos secadores trabalhando, no adocicado do vento daquele refúgio de beleza.

Desde pequeno, quando acompanhava minha mãe, vinha a vontade irresistível de rondar as cadeiras na frente do espelho, onde as senhoras esperavam alegremente com seus bobes e revistas de fofocas. Não me entediava como a maioria das crianças, não queria retornar rapidamente aos brinquedos de casa. Agradecia a demora e o atraso do almoço. Nem a fome me incomodava.

O ambiente me hipnotizava, acreditava que fosse pelo brilho das tranças e pela altura surpreendente dos andares das cabeças femininas, mas abandonei a lembrança na caixinha de incompreensões da vida e segui em frente.

Quando a minha mulher apertou o spray fixador em seus cabelos antes de sairmos para uma formatura, eu quase tive um colapso de felicidade.

Discerni o feitiço: laquê. O que me inebriava no espaço dos cabeleireiros era o olor do laquê. As borrifadas de 15 centímetros de distância criavam uma aurora boreal em minha respiração.

Sou apaixonado por laquê. Melhor que incenso e aromatizador. Melhor que os toldos dos jacarandás na primavera porto-alegrense.

Por que não trocaram o nebulizador pelo laquê para curar a minha asma? Por que não me dispensaram das aulas de natação e das maçãs diárias?

Gastaria um laquê para perfumar a residência. Jogaria um laquê em cima de minhas roupas.

A vontade é ser um traficante de laquê. Viajar para a fronteira de Uruguaiana ou Santana do Livramento contrabandear laquê. Desviar todo o salário na compra de caixas de laquê. Forrar as prateleiras do banheiro de laquê.

Escrevo compulsivamente laquê, repito laquê freneticamente, em pleno turbilhão de viciado.

No salão, o laquê paralisava os penteados das mulheres e também o meu olfato. Eu planava no ar como um beija-flor ou Dadá Maravilha.

Pena que descobri tarde demais para um reposicionamento de carreira. Eu me daria bem salvando as tranças e os coques das clientes. Imagine o que seriam os meus penteados?

Nenhum comentário: