quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

BRIQUE DO AMOR

A campanha de agasalho era dentro de casa. Eu recebia as roupas do irmão mais velho e o irmão mais novo recebia as minhas roupas. Não havia banho de loja. Fui do tempo em que não existia shopping center.

Herdei calças e camisas do Rodrigo. Por sua vez, Miguel herdou as minhas calças e camisas.

A mãe ajeitava as bainhas e as mangas e me moldava ao corpo das roupas (nunca as roupas se moldavam ao meu corpo). Tanto que até hoje, quando vou provar algo, eu não me importo quando está um pouquinho curto ou largo demais, perdoo a imperfeição.

Na infância, vestir significava somente não passar frio. Não correspondia a se embelezar. Calças e casacos ostentavam, sem nenhuma vergonha, remendos de couros e cicatrizes. Cuecas e meias viviam costuradas.

O sapato gozava da importância inexplicável de um carro. Trocava-se a sua sola frequentemente para que continuasse sendo usado. O sapateiro emergia como uma referência insubstituível do bairro, assim como o padeiro, o padre e o médico. Desfrutava da responsabilidade de passar na sapataria depois da aula para buscar as encomendas familiares.

Ocorria dentro de casa a antecipação do testamento em vida. Não se esperava o inventário para partilhar os pertences. Firmávamos uma estranha hereditariedade do vestuário.

Disputávamos a pasta e a carteira velha do pai, brincávamos do faz de conta financeiro com os carnês vencidos. Nada se perdia, tudo trocava de mão, de braço e de perna.

Os agasalhos duravam três gerações. O conteúdo das gavetas mudava de dono e jamais ia fora.

Acho que temos que recuperar, diante da atual crise financeira, o valor emocional dos objetos. Não me importo em ganhar presentes usados, pois serão lembranças com alta carga simbólica. Desde pequeno, aprendi a reaproveitar o amor e valorizar cartas de agradecimento.

Quando não tínhamos dinheiro, na escola, preparávamos cartões para o dia dos pais e das mães, por que não recuperar este artesanato da letra e do desenho no mundo adulto?

Dê seu moletom preferido para alguém do seu círculo de amigos, ou passe adiante um livro de seu gosto ou um CD que harmonizou os seus ouvidos para a saudade. Não se envergonhe de sua pobreza, que seja uma pobreza alegre, repartindo o santuário de sua sobrevivência.

Não sofra com o que não tem, ofereça aquilo que você é.

Um comentário:

Anônimo disse...

Emocionada.