quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

FUTEBOLZINHO INOFENSIVO

Arte de Wifredo Lam

A mulher não é contra o futebolzinho do namorado na semana. É uma lenda. É folclore. É oposição inventada.

Ela até apoia e gosta, tem um tempo livre para não ser incomodada e assistir a uma temporada inteira de The Good Wife, sem nenhuma interrupção.

O que a mulher se irrita é com a incoerência da atividade esportiva. O homem volta pior do que quando saiu. Mais demolido, mais desmoronado, desprovido de fôlego, precisando de uma injeção de glicose na veia.

Ele se despede sóbrio, de calção, regata e tênis e volta dois quilos a mais, não a menos, com a barriga proeminente, bafo de cerveja e arrotando costela e pão com alho. É uma antiginástica, uma desidratação alcoólica. Bate a porta como um touro e regressa como um porco, incapaz de enfiar a chave na fechadura.

Que futebol é este que incha e acaba com o cara? Atravessou por uma máquina de moer ogro? Abandonou o lar disposto e centrado e retorna bêbado, proferindo neologismos, enrolando a língua e derrubando objetos.

Como acreditar que foi fazer um esporte? Não está nem mais suado, e sim com rosto pálido de engov. A impressão é de que passou o rodo numa churrascaria, num boteco, num bordel, na Cidade Baixa.
Não há como imaginar depois romance, sexo, carinho, palavras de amor, nem dormir de conchinha. Homem pós-jogo é nulo e tóxico. O sujeito deve permanecer no outro lado da cama, distanciado por uma muralha de travesseiros.

Além de estar imprestável para o restante da madrugada, esqueça a companhia dele no dia seguinte, envolvido com azia, enxaqueca e gemidos involuntários.

Mas não desconfie apesar das aparências enganosas. Homem usa o jogo como pretexto para o exorcismo dos bons modos, para expulsar a educação materna e a etiqueta social. A bagunça é mais importante do que a partida, a arruaça é mais fundamental do que o condicionamento. É tão somente uma criança viking, inofensiva, brincando de se destruir um pouco, escapando do controle do colesterol e da bebida, fofocando com amigos e contando as mesmas piadas de sempre. Até correu em campo, nada de especial, meia hora de grito para que os colegas passassem a bola e muitos gols perdidos. Ele se dedicou com volúpia para a mesa e cervejada no fim da pelada – banca o atleta, mas tem alma aposentada de técnico.

Já quando está traindo, o marido chega limpo e cheiroso do banho do motel. Neste caso, pode comprar briga e vender a casa.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 17/02/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18076

Nenhum comentário: