quarta-feira, 16 de julho de 2014

ESCORPIÕES DISFARÇADOS DE SIRIS

 
Arte de Francis Picabia


Raros são os que guardam segredos. Raros e invioláveis.

A maior parte dos amigos revela nossos segredos não por maldade, e sim por incompetência, absoluta inabilidade para a discrição e o respeito.

Nem são fofoqueiros, é que não conseguem conservar uma promessa e contam nossos segredos em forma de segredos para seus amigos guardarem segredo. Vão passando o segredo adiante, jurando que os demais serão capazes de sigilo (se nem eles que são próximos da fonte cumpriram a palavra, o que dirão aqueles que são distantes, sem nenhum compromisso?). E muitos partilham com a esposa ou o marido, alegando que são a mesma pessoa e que não tem como esconder nada dentro do casamento. Não absorveram a lição básica de que segredo é prato individual, não é porção para dois.

Tudo bem, já perdoei essas figuras, esses escorpiões disfarçados de siris, esses conselheiros com complexo de agência de notícia.

São confiáveis, mas fracos.

São leais, mas carentes.

São honestos, mas burros.

São bem-intencionados, mas influenciáveis.

É necessário inteligência para se esquivar da curiosidade alheia, suportar a pressão, rechaçar perguntas, não entregar o assunto com insinuações, ambiguidades e caretas.

O segredo é a prova de QI da Amizade.

O confidente deve amar seu temperamento, não ser preconceituoso, careta e teimoso, e protegê-lo nas mais diferentes combinações sociais.

Tenho amigos maravilhosos, divertidos, carismáticos, só que não posso abrir nenhuma confidência para eles, já percebi que vacilam e sofrem de incontinência verbal. E jamais assumem a gravidade de dar com a língua nos dentes. Arrumam desculpas para romper o pacto de silêncio. Ainda se acham certos.

Divido os falastrões em três categorias:

Falso generoso: usa o pretexto de que estava preocupado com você e não poderia conter a informação.

Inconsequente: limitado, não calcula os desdobramentos de seus atos, não compreende que segredo não é segredo por charme, é porque ainda não se está maduro para revelá-lo a todos, há grandes chances de estragar ou interferir na realidade.

Moralista: emprega o artifício de que abriu a boca porque não sabe mentir. Além de jogar no ventilador sua intimidade, ainda – por tabela – atingirá sua honra e lhe acusará de mentiroso.

Depois de muito penar, vejo que manter segredo é uma vocação sublime.

Escolher um confidente é tão difícil quanto encontrar o verdadeiro amor. Será um por vida, não mais que um.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2,  15/7/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17860

Um comentário:

Tais disse...

Oi meu lindo!

Sua última frase me remeteu a certeza similar de uma amiga ao me dizer que já tinha vivido seu verdadeiro amor, era grata por isso mas sabia que isso só acontece uma vez na vida... Sério?! Isso me suscita algumas questões: como saber se aquele foi o seu verdadeiro amor? (ok, perguntar já implicita que não era). Qual a motivação agora para seguir adiante em um novo relacionamento?!

Um abraço e um cheiro!