terça-feira, 12 de março de 2013

ME DEIXE EM PAZ

Arte de Paula Modersohn-Becker

Meu filho foge das fotografias.
 
É alguém alçar o celular para o alto e ele se esconde debaixo de colunas e cortinas. Não aguenta máquinas por perto.
 
Não me chateio, não obrigo que ele mude de ideia, nem lamento a desistência precoce da vida pública.
 
Ele não está doente, tampouco é timidez. Não colocarei Vicente em terapeuta para resolver sua retração. Não vou ofendê-lo de bicho de mato e constrangê-lo entre os amigos.
 
O nome do que sente é estresse. Uma postura defensiva extremamente sadia. Ele está farto de flash, de olhar para cá e ser feliz.
 
Bombardeamos nossos filhos com a facilidade de imagem. Exageremos na dose. Eles enjoaram, cansaram, taparam a câmera com a mão.
 
É Instagram. É Facebook. É Twitter. É Tumblr. Temos que alimentar diariamente os demônios das redes e eles são nossas vítimas prediletas.
 
Vicente entrava no ônibus da escola: foto! Vicente almoçava: foto! Vicente jogava futebol: foto! Vicente bocejava: foto! Vicente pulava na piscina: foto! Vicente chorava bonito: foto!
 
Coitado. Aos 11 anos, ele tem um acervo fotográfico do tamanho do de Justin Bieber. Desde o nascimento, são centenas de fotos minuto a minuto de sua existência. Não diria que ele possui um álbum, mas já uma fotobiografia.
 
Minha infância foi de plebeu, com 50 fotos no máximo, todas com roupas de domingo e ao lado dos irmãos. A infância do Vicente é de imperador, uma muralha da China de poses.
 
Os pais se transformaram em paparazzi alucinados e loucos para demonstrar seu amor digital. Montam guarda nas janelas. Realizam vigília nas portas do banheiro e do quarto.
 
Encantados com os aparelhos modernos e as versões anuais de Android e iPhone, perderam o pudor e o senso de medida. Seguem seus pequenos nas cenas mais recatadas e pessoais para obter o clique diferenciado, que ficará um luxo com o uso dos filtros.
 
Não é brincadeira. Subtraímos a privacidade das crianças. Hoje, estão expostas como atores e atrizes mirins, empurradas precocemente para a ribalta. Tudo é festa. Tudo é mostrado.
 
Os meninos e as meninas não têm sossego. Não podem nos olhar com cara engraçada. Não podem inventar de nos abraçar longamente. Um instante de bobeira, e seus familiares aproveitam o registro para pôr na web.
 
Vicente rejeita luzes. Ele pede:
 
– Me deixe crescer em paz.
 
Bem que ele faz.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 12/03/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17369

6 comentários:

José Edward Guedes disse...

Sempre brilhante, o brilhante Fabrício Carpinejar!

rosa correa disse...

Muitas vezes eu penso que as pessoas perdem o momento de simplesmente olhar e ficam tirando fotos e mais fotos que ficarao esquecidas. Prefiro arquivar no coração.

Roseli Vaz disse...

O meu de 10, é assim também. Aí, nessas férias disse pra ele e pra irmã: "Vamos parar com as fotos e vamos aproveitar esse agora!"
Nós, pais separados, temos uma mania de repor os momentos que tínhamos em família com fotos. Quem precisa de tratamento sou eu, mas felizmente, me curei e deixei a máquina de lado e corri pro abraço! Ô coisa boa que é amor de filhos!

Louise disse...

Incrível ! Vale para nossa atitude com bebês e no nosso dia-a-dia mesmo.

Renatinha disse...

Isso também é mal de filho único. A necessidade da exposição do troféu fertil do casal. Quando o tempo passa e os demais filhos chegam (o que também é extremamente raro)a quantidade de fotos diminui e aumenta o acervo de fotos coletivas da familia :)
Eu tento me policiar hoje com essa necessidade desenfreada de querer ter uma camera na testa e registrar tudo.
Por um lado é quase uma dor olhar aqueles molequinhos crescendo e fechar os olhos e não conseguir recordar todos os momentos que gostaria. Amo fotos, amo momentos registrados segundo a segundo...odeio exposição desnecessária.

Adoro suas palavras ♥

ana disse...

Parece que mais importante do que viver é mostrar aos outros, e si mesmo, que viveu.