quarta-feira, 31 de outubro de 2012

POLENTA BORBULHANTE

Arte de Eduardo Nasi
 
Meus cachorros da infância somente comiam polenta.
 
Não havia o hábito da alimentação especial, dos biscoitos coloridos e nutritivos, do acervo gastronômico das pet shops.
 
Gastar com cão só se ele estava à beira da morte ou coberto de sarna.

Cão não entrava no orçamento, na lista do rancho. Dormia no pátio, solto, e tomava banho mensalmente, à força, no tanque da lavanderia. Assim que escapava das garras da toalha, ele se esfregava novamente na terra e se reintegrava ao seu mundo de lobo.
 
Cão era cão. No inverno, recebia restos de cobertores e panos para se defender do frio. No verão, aproveitava o pelego secando ao sol.
 
Cão era cão, ele se virava, controlava o movimento no portão, tinha que latir e proteger a residência (hoje ele é o protegido da casa, o dono late em seu lugar).
 
Nos anos 80, minha mãe preparava a gororoba amarela durante a tarde de quarta-feira. Um panelaço de albergue, de rifa escolar. Sua colher de pau não descansava um minuto. Naquela hora, não atendia ninguém, desprezava telefone, campainha, Jesus, pedido de divórcio. A polenta não podia parar, senão endurecia.
 
O sofá cheirava a polenta. Os lençóis estendidos no varal cheiravam a polenta. Os vizinhos cheiravam a polenta.
 
Minha infância foi uma espécie de puxadinho de cantina.
 
Infelizes eram os dois cockers confinados a um mesmo cardápio, confinados a se embuchar eternamente do prato italiano.
 
A mãe amava a ansiedade — o ansioso finge que é prevenido. Se possível, antecipava o ano, a década, a vida inteira. Buscava se livrar daquela tarefa, resolver o mês canino de uma vez. Congelava a polenta e ia dando um pouco por dia. A polenta caía inteira, quadrada do pote congelado. Os cachorros não festejavam o almoço e a janta, sequer mexiam o rabo. Aproximavam-se da refeição com resignação. Deveriam estar enfarados do odor, do sabor e da falta de originalidade.
 
Meus cães sonhavam com a Turquia.
 
Com muito empenho, eu e os irmãos convencemos a mãe a acabar com a tortura que lotava o congelador, maltratava o estômago dos animais e enjoava a tripulação familiar. Reunimos nossas economias, quebramos os porquinhos e rateamos um saco gigante de ração.
 
Comemoramos a mudança da mentalidade com fotografia festiva: os bichanos no colo, os pratinhos de ração decorados na mesa e os nossos risos de polenta frita.
 
O pai surgiu depois do alvoroço elogiando a comidinha.
 
— Alguém está de aniversário? — gritou para a gente conversando na cozinha.
 
Viríamos descobrir que ele devorou toda a primeira ração como se fosse um novo tipo de salgadinho.
 






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 30 de outubro de 2012

UMA VIAGEM PELAS RUAS DE MINHA TATUAGEM

Seguindo o mapa de Porto Alegre das minhas costas feito pelo Edu Tattoo, fiz um passeio pelas ruas do Centro, acompanhado do amigo Manoel Soares.

Dicas de livros, visita a sebos, reflexões sobre a literatura.

O Jornal do Almoço, da RBSTV, foi exibido na manhã de terça-feira (30/10).

QUANTO MAIS..............PIOR

Arte de Andy Warhol 

Meu amigo Daniel superou 40 dias de luto da separação, aguentou no osso o divórcio, chorou horrores e debulhou suas lágrimas em copos de bourbon, parou de atender ao telefone e se trancou no quarto.

No 41º dia, ele ressuscitou. E voltou a sair e se divertir. Já estava esquecendo o quanto amava sua ex. Já estava esquecendo que foi amado pela ex.

Um homem somente apaga um amor no momento em que encontra outro. Daniel se enamorou por uma bancária. Badalou vários finais de semana com Heloísa, ria com a franqueza de um adolescente.

Apaixonado? Sim, mas seria o último a saber. Todo apaixonado é o último a saber que está apaixonado. O mundo inteiro sabe, menos o próprio apaixonado. Não adiantava contar a Daniel que ele estava apaixonado, ele jamais me escutaria. O apaixonado é surdo também.

Para comemorar a nova fase de sua vida, Daniel convidou Heloísa para almoço em restaurante francês nos fundos de um casarão.

Ele pediu cordeiro com purê de beterraba; ela, filé mignon com acompanhamentos silvestres.

Ele pediu um vinho chileno; ela avisou que não poderia beber (pois ainda iria trabalhar), e se contentou com uma Coca-Cola.

– Coca-Cola light?

– Não, senhora, só temos Zero – avisou o garçom.

– Ok, não vou me desesperar por um detalhe – replicou.

O casal soltou os braços sobre a toalha para diminuir a distância das cadeiras, ambos se olhavam firme e forte numa hipnose infindável, hipnose à moda antiga, de relógio de bolso balançando.

A mesa estava sobrando entre os dois. Ele se debruçava no prato para arrancar um beijo, ela se levantava para acariciar sua testa. Nada poderia estragar aquele bem-estar. Quase nada.

Mas quando a Coca pousou na mesa, Heloísa gelou, derrubou o arranjo de flores e fugiu para o banheiro soluçando a seco.

Ele olhou a Coca com calma: Será que tinha uma barata?

Não achou coisa alguma, até que leu um nome. A marca decidiu homenagear seus consumidores nas latinhas.

Era o nome de sua abominável ex: Carolina.

“Quanto mais CAROLINA melhor”

Heloísa não aguentou a provocação, ardia de ciúme do passado dele.

Quando um refrigerante faz uma campanha dessas, não cogita de que existem desafetos no mundo, ódio familiar, revolta interior, tristeza reprimida, viuvez, gente que levou o fora ou foi corneado ou enganado. Imagina apenas que todos se gostam e que todos vão adorar ver seu nome ou de sua namorada na embalagem.

Daniel amaldiçoou o azar, criou teorias da conspiração, não duvidou da perseguição da megera, cogitou a hipótese de ela subornar o garçom para trazer aquele refrigerante.

– Como, entre milhares de opções, surge em minha mesa logo o nome daquela vagabunda?

Não poderia responder. Heloísa recusou carona e seguiu sozinha para o emprego. Não havia mais felicidade para ser dividida.

Do copo dela, só ficou o limão.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 30/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17238

CHINELÃO PÉ 41

 
Tenho cadeira cativa na chinelagem. Às vezes banco o morto de fome e não controlo minha ansiedade. É uma síndrome de pobreza, que ataca quem sofreu privações na infância.
 
Sou o legítimo injeção na testa, participando de um grupo que não resiste a uma promoção, a um brinde e a uma oferta imperdível.
 
Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (30/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

MÁQUINA RECEBE ISABELLE TUCHBAND


Uma das mais requisitadas artistas plásticas da atualidade, Isabelle Tuchband dança quando pinta.

Suas pinceladas têm a força de castanholas.

A música é o ânimo de suas cores.

Em entrevista ao meu programa A Máquina, da TV Gazeta, ela confidencia que a tela branca é seu marido ideal.

A exibição aconteceu na noite de terça-feira (23/10).

domingo, 28 de outubro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

A GUILHOTINA É O IOIÔ DA TRAGÉDIA

Arte de Jean Arp

“Boa tarde! Há 4 meses me envolvi sexualmente com um homem comprometido, desde então tem sido um relacionamento ioiô, sempre peço um tempo pra ele quando vejo que meus sentimentos estão me dominando. Não me abro com ninguém a respeito disso. Agravantes: é meu chefe, 30 anos mais velho, meu primeiro envolvimento sexual foi com ele, trabalho com sua namorada. Grande abraço. Yasmin”

Querida Yasmin,

Quem dera fosse uma relação ioiô, seria um elogio, é um caso guilhotina, feita para sua cabeça rolar. Juntou todas as adversidades numa só pessoa, todas as proibições num único tirano.

Mistura a cena profissional com a amorosa, cria situações de chantagem (da parte dele, de sua parte), não se abre porque não tem ninguém como expor os personagens da novela, ainda convive com a namorada dele e vê o romance dos dois se desenrolar na sua frente.

Sua trama produz ciúme, inveja, prepotência e humilhação, o lado pantanoso do amor. Não há sentimentos nobres, destinados à escolha e à independência.

Como vai crescer numa relação dessas?

O inferno nem mais a cumprimenta: procurou alguém que pudesse ser seu pai (trinta anos mais velho), seu chefe, seu professor, anulando por completo seu discernimento crítico. É uma filha, uma escrava, uma aluna da tortura.

São tantos complexos que somente comprando um divã parcelado em suaves prestações.

Sofre um excesso de dependência que leva à paralisia. Você pede um tempo para não pressionar de propósito. Estabelece um falso limite, pois prevê o mais drástico dos desfechos.

O que deve ocorrer é perder o emprego, acabar sozinha e reduzir a pó seu grupo de amigos, já que seus colegas suspeitam de suas vantagens e benefícios pela proximidade com o patrão. Ainda que não fale nada do que vem ocorrendo, é o centro da mais famosa fofoca no expediente. Ao ganhar uma promoção, mesmo que mereça, será alvo de piadas e do descrédito. Nunca saberá se a namorada do amante descobriu o triângulo amoroso e puxa conversa por hipocrisia ou amizade.

O carimbo de sua carteira profissional é uma lágrima azul. Sua alegria é ser infeliz. Seu projeto de vida é acumular culpa. Nem percebeu que não deseja o melhor para sua vida, mas o pior.

Optou por ser leal a um ditador, apagar sua personalidade, frustrar planos de ascensão na carreira e no plano emocional.

Quem você deseja superar com tamanha tristeza? Sua mãe?

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 28/10/2012 Edição N° 17236
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

AGITANDO A 58ª FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE


Foto de Eduardo Nasi

Participo de oito atividades entre mesas-redondas, oficina e sessão de autógrafos, na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre, que vai de sexta (26/10)  a domingo (11/11), na Praça da Alfândega.

SÁBADO, 27/10, 16h30
A vivência do sonho
Com Maria Carpi, Luiz Olyntho e Iván Izquierdo
Local: Sala Oeste - Santander Cultural

TERÇA, 30/10, 19h
Sobre o livro Bem-vindo
Com Altair Martins e Cíntia Moscovich
Local: Sala dos Jacarandás - Memorial do RS

SÁBADO, 3/11, 16h30
Releituras de Quintana
Com Italo Moriconi e Mirna Spritzer
Local: Sala Oeste - Santander Cultural

SÁBADO, 3/11, 18h
Falando sobre amor
Com Luiz Coronel e Celso Gutfreind
Local: Sala Oeste - Santander Cultural

QUARTA, 7/11, 17h30
O humor na literatura
Com Juan Pablo Villalobos e Cíntia Moscovich
Local: Sala dos Jacarandás - Memorial do RS

QUARTA e QUINTA, 7 e 8/11, 19h às 21h
Ó de casa – oficina de crônicas familiares
Local: Sala A2B2 - Casa de Cultura Mario Quintana
Inscrições aqui


SEXTA, 9/11, 19h
Sessão de Autógrafos de "Ai Meu Deus, Ai Meu Jesus"
Local: Pavilhão Central


PINÓQUIO É UM BEIJA-FLOR VENENOSO


Terminamos amizades, encerramos amores, destruímos trabalhos por pequenas mentiras.

Nunca são as grandes. São as vergonhas minúsculas que nos levam às grandes humilhações.

Aquela frase errada que o orgulho não permite consertar e que cresce como uma bola de neve.

A mentirinha é muito pior do que a mentira.

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (26/10) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 
 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

IBOPE AMOROSO

O tresloucado DRnaTV, meu quadro no TVCOM Tudo+, fez o IBOPE da vida afetiva do adolescente.

Falou com mil jovens da rede pública de Porto Alegre entre os dias 22 e 23 de outubro.

Concurso de ficantes, amor líquido e frustrações são os temas da apuração.

A conversas iam bem, os adolescentes confessavam suas noites, até surgir uma emissária estranha e extraterrestre do Ministério da Educação.

Sorte que os cachorros não tem mão.

O programa foi exibido na noite terça-feira (23/10), com mediação de Sara Bodowsky e produção de Fernando Muniz.

NOTÍCIAS DE MEU PAI

Arte de Eduardo Nasi

Não leio jornal amassado.
 
Sofro quando alguém pega o jornal antes de mim. Faço questão de resgatá-lo do capacho para não sofrer ameaças.
 
Separo delicadamente os cadernos, pego minha xícara de zebra do café e viro as folhas com cuidado cervical.
 
É um dos meus melhores períodos da manhã. Estou ajustado ao tempo de meu pai como o pássaro no fio telefônico. Nada me separa do passado. Todo Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma vontade de preservar um amor antigo.
 
Eu briguei muito na minha infância com a figura paterna. Foram três anos de apelações e competições silenciosas, dos oito aos 11 anos.
 
Meu pai Carlos Nejar não tolerava ser o segundo na leitura do jornal. Só que ele transformava o papel em lixo em rápidas pinceladas. Desleixado, dobrava as páginas, derrubava manteiga, rasgava as manchetes interessantes, sublinhava trechos inquietantes, mudava a ordem das páginas, a ponto do jornal ao final aparentar a maquete de um castelo.
 
De suas mãos, o jornal vinha como um bolo de noiva — faltava somente a bandeja. A editoria de esporte namorava a de política, a de cultura se esfregava com a economia. Impossível uma criança ajeitar a numeração, pedia o trabalho profissional de uma bibliotecária.
 
Herdar a leitura do pai era uma calamidade. Isso quando ele não levava ao banheiro, aumentando ainda mais nosso índice de rejeição. Eu e meus irmãos tínhamos motivos de sobra para sermos analfabetos e desinformados do mundo.
 
Sensível com a ilegibilidade do papel, a mãe passava ferro. O esforço não compensava muito, a gramatura ficava ressecada, como livro de sebo. Com certeza, o jornal que embrulhava os ovos na cozinha estava mais conservado do que aquela edição do dia.
 
Por ódio à rotina, encampei a condição de desafiador da hierarquia familiar. A ovelha negra do rebanho do Nejar. Comecei a acordar mais cedo do que o pai.
 
O entregador deixava o jornal pelas 5h30, o pai levantava às 6h, eu me antecipei dez minutos.
 
Durante um mês, li o jornal primeiro. E ainda fazia a questão de oferecer algum suplemento ao pai para diminuir sua ansiedade.
 
Mas ele se antecipou aos meus dez minutos e recuperou sua realeza no mês seguinte.
 
Mas eu me antecipei aos seus dez minutos e controlei a pole durante quarenta dias.
 
Até que, sem percebermos, nos encontramos 5h20 da madrugada. Eu e o pai de pijama, juntos na varanda da casa, sentados na escada. Ambos se adiantaram demais à missão.
 
Quietos, nos emocionamos com o barulho do alvorecer nas calhas. Os cachorros cantavam no lugar dos galos, o vento serrava as fechaduras dos portões por novas chaves.
 
E acho que seguramos nossas unhas por alguns minutos nos frisos das lajes.
 
Pena que o entregador do jornal chegou e estragou nosso momento.
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 23 de outubro de 2012

DIGA X!

Arte de Paul Klee

Completo quatro décadas hoje. Selecionei 40 lembranças que me inspiram a fazer xis fora da foto:

(X) Pescar com meu avô sem trocar uma só palavra até aparecer o crepúsculo e ele exclamar: “Que lindo! Vamos voltar?” .

(X) Cheirar cadernos e livros no início do ano letivo.

(X) Encontrar moedas nas bolsas vazias da mãe.

(X) Morder ameixas no topo da árvore e arremessar os caroços nos vizinhos.

(X) Tocar nas coxas de colega para ver suas cicatrizes de catapora.

(X) Participar da primeira excursão com amigos, tornando-se responsável pela própria loucura.

(X) Pousar o rosto no pescoço da menina na reunião dançante.

(X) Descer a Rua Lucas de Oliveira de bicicleta e não apelar para o freio.

(X) Namorar no cinema e, com a respiração acelerada, estudar o momento para colocar os braços nos ombros dela.

(X) Brincar de bexiguinha no pátio.

(X) Jogar futebol na chuva, e forçar carrinhos na lama.

(X) Grudar os dedos no balde de pipoca com mel.

(X) Ser requisitado por vários colegas da escola para apresentar trabalho em grupo.

(X) Comer brigadeiro raspando a panela.

(X) Adorar um livro, percorrer a madrugada lendo e ir contando as páginas que faltam para o final.

(X) Pedir desculpa aos pais, com direito a abraço de rodoviária.

(X) Treinar a assinatura para a carteira de identidade.

(X) Suportar uma noite no cemitério dividindo o medo e as histórias sobrenaturais com os amigos.

(X) Preencher um cheque de quatro dígitos.

(X) Ter festa de aniversário surpresa, lotada de gente que você realmente gosta.

(X) Conseguir aprovação no vestibular e ler seu nome no jornal.

(X) Aprender a dirigir escondido com o irmão mais velho.

(X) Alugar um apartamento quarto-sala e arrecadar tralhas pela rua.

(X) Roubar o miolo quente do pão.

(X) Cozinhar para alguém, e esperar ansiosamente a reação.

(X) Salvar um vira-lata doente da rua e cuidá-lo a ponto de florescer o pelo.

(X) Preparar o chimarrão após longa viagem.

(X) Atravessar o meio-dia dormindo e acordar com almoço pronto.

(X) Voltar a deitar porque uma reunião ou um trabalho foi cancelado.

(X) Vestir roupa nova da cabeça aos pés.

(X) Entrar no mar de mãos dadas com a mulher e nadar na onda como se fosse nuvem.

(X) Abrir uma poupança.

(X) Reservar mesa em restaurante, comprar ingressos com antecedência, planejar a noite perfeita em segredo.

(X) Achar um posto bem na hora que estava acabando a reserva do combustível.

(X) Encaixar o filho no colo.

(X) Disputar com a esposa quem será chamado pelo bebê (qualquer som é papai ou mamãe).

(X) Tomar um porre e pedir para os amigos descreverem nossas façanhas no dia seguinte.

(X) Ouvir que ela me ama antes do sexo.

(X) Ouvir que ela me ama depois do sexo.

(X) Mentir a idade.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 23/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17231

RESISTÊNCIA AO ELOGIO

Arte de Paul Klee

Generosidade não é oferecer presentes, mas saber recebê-los.
 
Quando alguém nos dá algo que a gente queria muito, sabe o que falamos?
— Não precisava. 
 
Por que mentimos?
 
Deveríamos dizer:
— Precisava sim, estava esperando tanto.
 
Isso demonstra uma dificuldade geral para ganhar elogios. Uma incompetência para ser feliz direto, de primeira, sem coitadismo, sempre temos que fazer charme e beiço e fingir que somos desimportantes.
 
Não acreditamos no elogio. Pensamos que é interesse, oportunismo, falsidade, exagero.
 
Se uma estranha recebe meu elogio, já julga que é cantada.
 
Se a namorada recebe meu elogio, já julga que quero sexo.  
 
Se o filho me elogia de repente, eu já julgo que é pedido de dinheiro.
 
Mania de menosprezar o amor simplesmente porque não nos sentimos merecedores do amor. 
 
As mulheres são as rainhas da culpa. Quer ver?
 
Encontro uma amiga no elevador e comento despretensiosamente:
 
— Que camisa linda!
 
Em vez de agradecer, ela vai se desculpar:
— Comprei barato numa liquidação.
 
Repare, eu não perguntei nada. Mas ela continua se justificando:
— Foi na loja Antonia Guedes, ali no Moinhos de Vento.
 
Ela é capaz de me dar o endereço, informar o nome da vendedora, o preço, tudo para não se sentir linda.
 
Por isso, hoje aceite o elogio com sinceridade. E diga apenas: obrigado, obrigado, obrigado!

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (23/10) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, com Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

MÁQUINA RECEBE IVANA ARRUDA LEITE

Falo de mulher.

A escritora Ivana Arruda Leite puxou sua doce memória para perfumar o ambiente de A Máquina.

Literatura feminina sem frescura. Com sarcasmo e autocrítica.

Ela deixa a piedade para os trouxas.

Meu programa na TV Gazeta aconteceu na noite de terça-feira (16/10).

domingo, 21 de outubro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

ELE COMPROU MINHA IDEIA DE FIM
Arte de Fatturi
“Tenho 23 anos, e terminei um relacionamento há pouco tempo. Dei a ideia do término pra chamar a atenção, e ele comprou a ideia. Já faz um mês e nos falamos essa semana que passou, ficamos há um tempinho, mas não entendo: tem chance de voltar? Ou devo esquecer e partir pra outra? Beijo Clara”

Querida Clara,

Temos que contar com a liberdade de discutir, explodir, espernear, sem ninguém pressionando, sorteando ultimato e nos despejando.

O ideal é brigar em paz, desabafar com tranquilidade, quebrar os pratos para depois fazer as pazes e varrer a bagunça junto. A limpeza é a melhor terapia de casal: enquanto um varre, o outro segura a pazinha. Não há cena mais romântica.

Não recomendo blefar o término do relacionamento. Ameaçar não ajuda a resolver as diferenças, apenas cria a insegurança e paranoia em nossa companhia.

Quem diz que vai se separar sempre usará essa cartada em qualquer briga, entende? É uma chantagem que costuma retornar nos momentos tensos da discussão e agravar os ânimos.

Não minta. Não prepare as malas em vão. Não seja precipitada. Porque um dos efeitos colaterais é o namorado não aguentar o teatrinho e aceitar a ruptura.

Caiu em sua própria cilada, infelizmente.

Mas não deve se culpar, muito menos creditar o desenlace ao próprio ciúme e impulsividade. Ele comprou a ideia, pois estava interessado em se distanciar. Aproveitou a primeira promoção, a primeira liquidação dos problemas para cair fora. Foi oportunista e conveniente. Largou o relacionamento por cima, não precisou puxar o assunto e tomar a iniciativa.

Desconfie das declarações dele. Quem ama não abandona, não acaba o namoro fácil. Aquele que ama tenta de novo, volta, pede desculpa mesmo não tendo feito nada, arruma pretextos para conversar e insiste até virar um chato.

Deve esquecer e partir para outra?

Não, nem precisa se mexer, já está em outra.

ENTRE TAPAS E PUXÕES DE CABELO

Arte de Fatturi

“Conheci um cara em uma festa há um ano e meio. Começamos a sair e descobri que ele tem namorada. Ela sabe de mim, viu fotos minhas. Ele diz que não acha sua conduta correta, mas não termina o namoro. Nós nos falamos diariamente, mas só nos vemos esporadicamente. Quando ele me chama para sair, eu aceito. Tentei exclui-lo da minha vida, mas ele manda e-mail e voltamos a conversar como antes. Ele só me quer como amiga? Beijo Ieda”


Querida Ieda,

Você está boicotando todo novo relacionamento. Exerce uma perigosa fidelidade ao seu “amigo”.  Não se permite se apaixonar por qualquer nova pessoa, localiza defeitos imperdoáveis na largada, não aceita diminuir a lista de exigências do camarim.

É uma lealdade unilateral, ele tem namorada, aparece raramente e não se compromete com nada.  Você faz tudo para agradá-lo, inclusive não viver, desaparecer, apagar suas vontades e desejos.

Óbvio que a coisa não flui, você sabota as aproximações, restringe os sujeitos. Vidrada numa mensagem salvadora do além, despreza o mundo possível dos vivos.

É rigorosa com os demais e tolerante com seu parceiro. Basta ouvir o chamado que vai correndo ao encontro dele, não? Facilita recaídas.

Não acho que ele lhe enxerga como amiga, mas como amante. Tampouco tenciona mudar a natureza do convívio. Explora sua ingenuidade para se vangloriar.

Ainda não notou que oferece um espetáculo de graça, que foi recrutada para uma luta-livre.

Ele vem adorando suas manifestações de dependência. Sua presença gera ciúme na namorada e serve como barganha para abusar do poder. Tanto que ele fez questão de mostrar suas fotos e tornar a concorrência aberta.

O sonho do machista é assistir duas mulheres disputando o reinado do seu coração a tapas e puxões de cabelo.

Adotou o joguinho de vaidades do rapaz: quer mostrar que é mais fiel do que a namorada dele.

Não abandonaria séculos de avanço dos direitos das mulheres por um exibido.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 21/10/2012 Edição N° 17229
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

REDUÇÃO DAQUILO

Arte de Egon Schiele

Conheci gente que fez cirurgia de redução de estômago, de nariz, de orelhas.

Mas um amigo inacreditavelmente reduziu aquilo. Aquilo!

É um esnobe de tão humilde. Um arrogante de tão modesto.

O médico perguntou:

- Tem certeza disso? Não está cometendo um grande erro?

Ele falou que tinha certeza.

E negou o presente que recebeu de Deus. O dom. O excesso.

Explicou que aquilo mais se assemelhava a uma maldição.

Disse que aquilo somente atrapalhava sua vida. Era anti-anatômico

Não podia usar sunga que logo chamava atenção. Não podia usar abrigo que se transformava em atentado violento ao pudor.  

As namoradas reclamavam. Precisava explicar e pedir para não ter medo. Já se sentia uma aberração. Um homem-elefante.

Não ficava à vontade nas aulas de Educação Física. Nem usava os vestiários do clube.

Recebia apelidos desagradáveis como Obelisco.

Assim como alguém alto é apenas convidado a jogar basquete, ele somente era convidado a filme pornô.

Você que vivia pedindo centímetros a mais, lamentando contra seu tamanho normal, agradeça a sorte! Os bem-dotados também sofrem, os bem-dotados também são vítimas de bullying.

Ouça meu comentário na manhã de sexta (19/10) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

É GUERRA!

Participei de uma Guerra de Bexiguinha no Parque da Redenção.

Rezei um Pai-Nosso ajoelhado com uma família.

Quase separei casais provocando discussões.

O que eu não faço para falar de amor, hein?

Meu quadro DRnaTV da TVCOM foi exibido na noite terça-feira (16/10), com mediação de Sara Bodowsky.

EU LÍRICO

Arte de Eduardo Nasi
 
Sou filho de dois poetas.

Os enfrentamentos domésticos traduziam Bucólicas, Geórgicas, Éclogas.

Os pais gastavam o dicionário em ironia e sarcasmo. Palavras velhas, aforismos, citações serviam para cutucar o outro na mesa durante o almoço.

Não usavam palavrões, entretanto se ofendiam igual, com raiva e espuma.

Trocavam o baixo calão pelos arcaísmos.

Nós, os quatro filhos, dedicávamos a decifrar as indiretas. Mas os pais, escolados e chiques, não admitiam discutir.

— Estamos apenas debatendo — avisava o pai.

Sim, fingíamos acreditar, desde quando o divórcio era Curso de Literatura?

O “eu lírico” predominava como principal recurso para disfarçar o atrito.

— Não é briga de verdade, nossos eus líricos divergiram.

— Eu lírico, pai?

— O eu lírico é a voz do poema, não significa a voz do escritor. É um sentimento que vem do texto, e que não foi vivido necessariamente pelo autor. É um “eu” poético que se diferencia do “eu” real.

Aquilo nos irritava duplamente: pelo moralismo e pela mentira.

No fundo, o eu lírico é uma esquizofrenia de gente culta, só isso.

Toda conversa que cheirava mal vinha com a desculpa do “eu lírico”.  Uma espécie de “brincadeirinha”.

Ninguém assumia a responsabilidade das suas teorias. O pai escapava do peso das afirmações, a mãe escamoteava da gravidade das acusações.

Dois adultos livres do julgamento e de veneno irrefreável.

Foi neste tempo, tinha oito anos, que acho que comecei a me masturbar.

Já me preocupava muito mais em saciar o corpo do que acalmar a loucura do matrimônio deles.

Pena que não havia privacidade sexual numa residência de um único banheiro.

Precisava escolher o momento mais pacato e sem concorrência para me tocar. Costumava ser 15h, depois do congestionamento do almoço. Até para se masturbar tinha que marcar hora, e reservar sala.

Numa tarde pacífica, municiado de Playboys antigas, eu batia punheta com calma quando a mãe forçou a porta e a tranca automática cedeu.

Ela me pegou em flagrante. Em vez de olhar e desaparecer, abriu a porta e congelou seu rosto em mim. Fixou seus olhos na minha pose de banquinho.

Ainda perguntou à queima-roupa:

— Filho, o que está fazendo?

Diante do óbvio, me restou responder:

— Nada, mãe, é o meu eu lírico.
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 16 de outubro de 2012

MEU SONHO DE CASAMENTO

Arte de Marc Chagall

Meu sonho é subir ao altar. E uma mulher alucinada gritar do fundo da igreja:
 
– Não, ele me pertence, eu ainda o amo.
 
Seria o máximo. O pianista buscaria despistar o pânico tocando Princesa Diana, de Elton John, haveria uma agitação febril no átrio, burburinho e gemidos frenéticos entre os convidados, o padre se manteria incrédulo, a noiva iria me fuzilar:
 
– Quem é ela?
 
Explicaria baixinho no ouvido que é uma antiga namorada sem importância.
 
Todos os olhos estariam voltados para minha boca, eu roubaria a cena. Finalmente veriam que meu terno preto era Armani, que custou tão caro quanto o véu e a grinalda.
 
Para manter o suspense, não responderia no ato, giraria o rosto indeciso para o lado esquerdo e direito, como torcedor em partida de tênis. Até emitir a sentença:
 
– Eu amo minha noiva. Você é passado. Some daqui!
 
Depois do susto, garantiríamos nosso futuro. Nenhum incidente poderia nos separar de novo.
 
Ela completaria bodas de ouro comigo, jamais cogitaria a distância, permaneceria fiel vida adentro.
 
Nada como o pânico para renovar os votos de felicidade. Nada como um dilema para fortalecer decisões.
 
A reconciliação necessita acontecer antes mesmo da briga. É o medo de perder o par que reforça nossa entrega.
 
Orgulharia sua família e amigos ao descartar publicamente uma rival, ao mandá-la embora desprovido de piedade.
 
Aquilo seria a maior prova de amor. Muito melhor do que ser casto em festa de solteiro.
 
Receberia a confiança eterna de sua aliança, a cumplicidade delicada de sua fé.
 
Mostraria que sou o tipo ideal, sério e devotado: não estraguei a festa, não humilhei seu vestido, venci as tentações egoístas.
 
Deveria existir um serviço para contratar “loucos da igreja”. Senhoritas e senhores, disponíveis em books nas agências de publicidade, preparados para protestar no casório.
 
Contidos no princípio da cerimônia, romperiam o corredor com estardalhaço na hora em que o padre falasse: “Se alguém tem algo contra este casamento, que diga agora ou cale-se para sempre”.
 
Assim como as carpideiras, recrutadas para chorar em velórios, formariam uma nova categoria profissional, um time de lindos modelos provocando ciúme no noivo e na noiva e apimentando o relacionamento.
 
Seriam atores e atrizes dramáticos e desesperados realizando uma intervenção amorosa e criando intrigas existenciais.
 
Todo não pede um sim. Todo governo requer oposição.
 
Casamento de sucesso depende de torcida contrária.
 
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 16/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17224

PRETENSÕES SUTIS

Arte de R. B. Kitaj

Muita cautela na hora de conversar com sua mulher, exija a presença de um tradutor, pode ser o contrário do que entendeu.
 
Você nem sabe, jura que está sendo ofendido e está sendo elogiado.
 
Mulher tem um dicionário próprio, particular, feito a partir do sentimento mais do que do significado das palavras.

Ouça meu comentário na terça-feira (16/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:

 

domingo, 14 de outubro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

PAGAR PARA VER

Arte de Fatturi

“Foi ele quem terminou usando como ‘desculpa’ nossa falta de tempo. Depois passou a fazer um jogo de me tratar mal. Fiquei desnorteada, saí e fiquei com outro homem. O jogo virou, e a culpa é toda minha por não termos mais chance. Ele disse que não consegue superar o fato de eu não ser somente dele. Beijo Raquel”

Querida Raquel,
 
Sua vida não mudou para resgatá-la. A saudade é que vem enganando e maquiando o rosto sujo. Antes estava ruim, agora está pior. Porém, não é destino para se levar.
 
O namorado quer infernizar sua rotina, garantir a exclusividade, dominá-la. Ele não a ama e não pretende deixá-la amar outro tão cedo.
 
O que noto é uma total intolerância. Quando o orgulho prevalece no relacionamento, não existe amor, e sim poder.
 
Não ocorre uma leveza de quem busca se acertar. Uma compreensão das adversidades. Ele alimenta ressentimentos e cobra decisões passadas.
 
Não há sentido pensar que estragou tudo: vocês estavam separados. Ele se afastou por falta de tempo, e apenas voltou porque viu seu território ameaçado por novos romances. Age como capataz dos afetos, determinando a hora e o momento da convivência.
 
Não aceite o cabresto. Sei que meu palpite pode não surtir efeito no momento.
 
Está cega por um objetivo de tê-lo de volta a qualquer custo, para compensar o sofrimento da primeira separação e fazer valer as lágrimas depositadas nas urnas dos santos. Mas um dia descobrirá que ele não é feito para suas vontades.
 
Quando amamos, não reparamos nos sinais negativos e presságios contrários. Toda orientação de amigo não pesa. Toleramos uma série de menosprezos em nome da esperança. Infelizmente não vejo atalho em sua desilusão. Terá que pagar para ver. Ir ao fim da idealização. Sofrer com mais afrontas e decepções até cansar por completo.
 
Ninguém é capaz de destruir a fantasia que nós próprios criamos, só a gente.
 
Só você pode matar o amor que nunca existiu.

TRAIÇÃO PARCELADA
Arte de Fatturi

“Sou casado e minha esposa admitiu que já se interessou pelo chefe. Inclusive já presenciei situações em que cheguei na sala e eles ficaram ‘errados’ com a minha presença. Já vi conversarem de mãos sobre a mesa. Sou ciumento, inseguro mas amo ela. Não sei o que fazer. Abraço Humberto”

Querido Humberto,
 
Não tenho como dizer que é paranoia.
 
Ela admitiu o interesse e contaminou a relação profissional. Formalizou o flerte e autorizou a dúvida a penhorar as alianças.
 
Mesmo que não tenha nada, haverá a apreensão de que aproveitam as desculpas do trabalho para se encontrar livremente.
 
Ambos partilham de álibis pontuais e incontestáveis: uma reunião de emergência, uma viagem inesperada, visita a clientes.
 
Na hipótese de se posicionar contra saídas eventuais, combaterá a liberdade de sua carreira.
 
É uma situação constrangedora, propícia a alucinações e de difícil controle.
 
Nem mais relaxa, né? Deve caçar suspeitas e incriminações, mexer na bolsa, no telefone e no computador dela.
 
O medo é muito ambicioso, não tem pudor, entendo o desespero.
 
Não duvido que você reze para que ela saia logo de casa para iniciar a investigação em paz, e não arcar com os sustos e o nervosismo infantil.
 
Pelo jeito, não deseja sequer conversar sobre o assunto, somente pegá-la em flagrante. Está no segundo nível: não bastam suas explicações, a sede é por fatos.
 
Sinceramente não encontro problema no ciúme. Revela uma atenção refinada, uma forma de se renovar a franqueza.
 
Perigoso é quando o ciúme está acompanhado da insegurança, que é o seu caso. Daí o ciúme não espera respostas, inventa respostas.
 
A questão delicada é que tem certeza da infidelidade dela. Você já se separou por dentro.
 
O que aconselho?
 
Volte duas casas, fique uma vez sem jogar e acredite na esposa.
 
Se ela enganá-lo, é ela que foi a idiota. Não sofra por aquilo que não aconteceu.
 
Amor é confiança, senão vira tortura.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 14/10/2012 Edição N° 17222
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sábado, 13 de outubro de 2012

MÁQUINA RECEBE PAULÃO


Vocês não sabem como foi bom aqui dentro.

Vão descobrir agora.

Meu programa A Máquina, da TV Gazeta, entrevistou Paulo de Carvalho, da banda Velhas Virgens.

Eu me senti discreto perante seu figurino lisérgico de garrafa de uísque.

Falamos de paternidade, loucuras, inveja.

Os garçons desejavam ir embora mais cedo e não permitimos.

O programa foi exibido na noite de terça-feira (9/10).

Ó POA


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

MENDIGO DE CASA


Arte de Edward Munch

O que seria o cúmulo da carência? Aquele patamar de penúria emocional, de pobreza da vaidade, onde sua falta de confiança está quase atingindo o nível perigoso de mendicância?

Ouça meu comentário na manhã de sexta (12/10) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola:
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

SANTO GRAAL DO AMOR

Eu avisei.
Tu que sabe.
Um minutinho.
Já vou.
Tô com enxaqueca.
Está acabando.
Onde vai de novo?
Quem era no telefone?

* * *

Qual a frase ou pergunta mais repetida e mais irritante em seu relacionamento? Meu quadro DRnaTV foi atrás da resposta e do cálice do Santo Graal do Amor no Mercado Público de Porto Alegre.

Reações inesperadas e diálogos inacreditáveis.

O programa da TVCOM foi exibido na terça-feira (9/10), com mediação de Sara Bodowsky.

ALE

Arte de Eduardo Nasi
 

Você pode usar abrigos velhos e camisas furadas, que continuará linda. Você pode acumular polainas nos tornozelos, que continuará linda. Você pode vestir uma calça boyfriend e anular as curvas, que continuará linda. Você pode calçar sandálias gladiadoras, insuportáveis até no carnaval, que continuará linda. Você pode vir com roupão branco de judô, que continuará linda. Você pode recorrer à boina de Che Guevara e bottons da revolução cubana, que continuará linda. Você pode se travestir de brilhos, lantejoulas e peruca rosa, que continuará linda. Você pode se apagar num maiô preto e recatado, que continuará linda. Você pode se plastificar com capa de chuva, que continuará linda. Você pode cruzar a bolsa no peito, que continuará linda. Você pode mascar chiclete de boca aberta, que continuará linda. Você pode combinar saia e tênis, que continuará linda. Você pode se vulgarizar com unhas e cílios postiços, que continuará linda. Você pode assumir colete com bolsos, que continuará linda. Você pode sumir em pijamas longos e de bolinhas, que continuará linda. Você pode masculinizar seus trajes, engrossar as sobrancelhas, que continuará linda. Você pode cortar seus cabelos, zerar seus cabelos, pintar seus cabelos, que continuará linda. Você pode se cobrir de burka e segredar a penugem loira do pescoço, que continuará linda. Você pode passear de pantufas e adereços infantis pelos corredores da casa, que continuará linda. Você pode pôr calcinhas cor de pele, que continuará linda. Você pode se encher de pulseiras, colares e brincos, que continuará linda. Você pode se furar de piercings e argolas, que continuará linda. Você pode se deprimir, engordar, virar uma nécessaire de ansiolíticos, que continuará linda. Você pode emagrecer demais, afinar os ossos dos ombros, que continuará linda. Você pode adotar cicatrizes e barbear as veias, que continuará linda. Você pode fazer tatuagens cafonas com ideogramas, que continuará linda. Você pode cuspir na rua, desaforar no trânsito, brigar com garçons, que continuará linda. Você pode não pintar o rosto, dispensar batom e lápis, que continuará linda. Você pode se sonegar os melhores vestidos, boicotar cuidados, que continuará linda. Você pode parar de dormir, chorar a noite inteira, que continuará linda. Você pode adoecer no escuro do quarto, fechar as cortinas para os vizinhos, desistir do mundo, que continuará linda.

Você pode se piorar com todo o ânimo, falir a aparência com todo o empenho, apressar a velhice com toda a juventude, recusar a se colaborar com todo o orgulho, mas não tem como esconder sua beleza.

Ela vai aparecer de qualquer jeito.
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 9 de outubro de 2012

CAIXINHA DE FÓSFOROS E SURPRESAS


Minha mulher tinha a mania de colocar os fósforos usados de volta para a caixinha.

Assim que riscava, guardava os palitos velhos com os novos.

Nunca colocava fora, apesar da facilidade do lixinho branco em cima da pia.

Nem acho que era pressa, mas hábito. Tentei adverti-la uma vez, duas vezes, até que estava sendo desagradável e desisti (quando marido se assemelha a um pai, é o momento de calar a boca).

Mesmo disposto a me adaptar e não comprar briga, eu me irritava com aquela roleta-russa toda manhã. É evidente que pegava de imediato uma série de fósforos queimados – não sei se você sabe, mas sou o autor da Lei de Murphy na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

O azar me premiava. Jamais retirava de cara a cabeça ruiva da caixinha amarela. Sacrificava preciosos minutos para preservar a chatice da esposa.

Acender incenso, acender fogão, acender vela reivindicavam o suspense do sorteio, a contagem de votos da eleição. E muita paciência para não gritar um bom desaforo ao longo da porta.

Aquilo era ainda mais claustrofóbico para quem aprendeu a tabuada separando grãos de feijão e fósforos. Reproduzia o terror das provas orais, das superações matemáticas.

A caixa não se abria como uma caixa, e sim se aprofundava como uma gaveta desorganizada, uma bolsa de mulher, um armário de solteiro. Solicitava o dobro de cuidado para revirar o fundo e contornar as pontas com o tato.

Eu me enxergava penalizado, diferente de qualquer pessoa normal, que apenas riscava o fulgor e não pensava.

Sofri dois anos com minha indisposição.

Somente hoje reparei que gosto imensamente da dúvida, da possibilidade de colher um fogo extinto ou um fogo vivo.

É uma ansiedade feliz. Uma expectativa pequena, porém agradável.

Encaro o fósforo e confiro se ele tem a pólvora intacta, se vai explodir sua cabeleira loira e azul. Faz sentido, porque liberdade significa manter nossa disposição para se surpreender dentro da rotina.

Presto uma maior atenção na chama, no seu desenho e som. Descubro que o fósforo é um relâmpago em miniatura, tão bonito quanto os raios que cortam os morros e céus. Solto uma risada infantil assim que ele mantém sua auréola firme.

Amar a si próprio é esse movimento: não se resignar, não se conformar com o que foi feito, não mergulhar na repetição desanimada dos dias: olhar cada lembrança de frente e ver se ainda queima. Olhar cada palavra de frente e ver se ainda queima. Olhar cada atitude de frente e ver se ainda queima.

E incendiar a nossa vida na vida do outro.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 09/10/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17217

MANIFESTO PELA MACIEZ

Arte de Magritte

Esqueça a terminologia psiquiátrica, os tipos de transtornos.
 
Vou facilitar sua vida. Há somente dois tipos de pessoas.

As pessoas macias e as pessoas duras.
 
As pessoas macias não são gordas. Não é isso. Podem ser magras. A maciez é um traço de personalidade.
 
Gente doce, afetiva, abraça com calma, escuta com interesse.
 
A maciez é um estado de ternura. A pele recebe, os olhos recebem, há uma tranquilidade calorosa, uma vontade de permanecer falando à toa.
 
Maciez é uma generosidade natural. A pessoa macia é ótima para dar colo, e guardar confidências.
 
Você está triste e a pessoa macia logo nos cuida.
 
Você está feliz e a pessoa macia aumenta nossa felicidade.
 
A pessoa macia canta suas músicas prediletas no box. Brinca com crianças. Para na rua a elogiar os cachorros na rua. Demora a sair da mesa. Gosta do seu trabalho e não reclama mesmo quando está doente.
 
Já a pessoa dura é inflexível, teimosa, orgulhosa.
 
Logo que nos aproximamos e ela já solicita espaço, evita o maior contato. Ela não abraça, mas esbarra. Bate nas tuas costas como se fosse porta.  Não beija as bochechas, beija o ar.
 
Está sempre falando mal de alguém ou de si mesma.
 
A pessoa dura é de madeira, de ferro. Não se emociona. Não ri. Não fica muito tempo casada com ninguém.
 
Ela se diz independente, mas é fóbica de intimidade.
 
Não suporta bebês, odeia a família dos outros, sexo é apenas ginástica.
 
A pessoa dura é fácil de identificar.
 
Você fica pesada depois que a encontra. Você se sente mal. Explorada. Esgotada. Você parece que perdeu sua alma depois de conversar com ela.

Ouça meu comentário na manhã de terça-feira (9/10) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Daniel Scola: