domingo, 9 de dezembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

BABÁ DE HOMEM

Arte de Sir John Everett Millais

"Fabrício, namoro há quase um ano. Meu namorado comprou um apartamento e vai morar só. O aniversário dele está se aproximando, e pensei em presenteá-lo com algo que ele vá utilizar na nova vida, já que terá que comprar. Adoro decoração e acho tudo lindo. Logo, tenho vontade de presenteá-lo com muitas coisas. Uma das maneiras que meu amor se manifesta é querendo que ele tenha um lugar bonito pra viver. Maaaaaas, tenho medo que ele pense que eu tô querendo morar com ele. Sou doida? Beijos Cissa"

Querida Cissa,

Sou favorável a falar direto o que se pensa, a fazer o que se sente. Sem firulas. Sem cerimônia.

Não sofrer por teorias e achismos. Seja sincera: apresente sua dúvida. Se desagradar, pelo menos teve boa intenção.

Tentar antecipar o que o outro quer é não deixá-lo mais querer. Ele fica condicionado a ouvir sua resposta para dar a resposta. Passa a desejar agradá-la mais do que se expressar.

É um cacoete feminino: ser porta-voz das vontades do casal.

Não vale a pena exercer o tom adivinhatório. É um desgaste. Uma ansiedade insaciável. Ele aponta o dedo e você já corre para decifrar sua intenção.

A perfeição cansa. Repare que nem pergunta o que ele gostaria, já busca adivinhar para mostrar intimidade e ganhar estrelinhas no caderno de ditados.

É nossa mania de fazer surpresa, de agradar, de ser inesquecível.

Mas, sem perguntar, nunca descobrirá o que ele realmente gosta para sempre impor o "que você acha que ele gosta".

Vem ocupando o papel de babá de seu homem. Levando aviãozinho de palavras para boca, mimando exageradamente os caprichos, trocando as fraldas dos pensamentos dele.

Evitar sofrimentos sempre traz constrangimentos.

Deixe ele responder, deixe ele errar, deixe ele confessar o que sonha de aniversário.

Chamo essa predisposição de falar pelo relacionamento de "treino fechado".

Times de futebol realizam escalações secretas esperando surpreender o adversário. Não abrem o coletivo para a imprensa e torcida.

Namorados também exageram nas maquinações sigilosas, escondem o jogo e depois lamentam que não correspondem às expectativas.

Sobre sua questão, serei o mais franco possível: você anseia presenteá-lo com algo para a casa nova porque deseja mesmo morar com ele.

Sua intenção é provar o próprio talento e tato para a decoração. Diz, nas entrelinhas:

— Comigo, seu apartamento estaria em ótimas mãos.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 09/12/2012 Edição N° 17278
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

4 comentários:

Anônimo disse...



ENFÔ!!! (Expressão de uma tia minha que significa caçou,achou. Poucas vezes encontrei pessoas que sao simplesmente verdadeiras, sem especulações ou armadilhas.
FABRÍCIO seus comentários me fazem lembrar sempre do filme CLOSER (Perto demais com Julia Robert).

obat stroke disse...

Eu só queria dizer, eu realmente amo este artigo

http://felixpintocultural.blogspot.com.br/ disse...

O problema desse efeito de "babá" é que depois o sujeito acaba agindo como um bebê em tempo integral...

Saulo disse...

Nossa otima materia