domingo, 30 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

QUANDO O NAMORADO É UM PARA-RAIOS
Arte de Fatturi

“Tenho um grupo de amigas e nos encontramos para falar mal dos maridos e namorados. Meu namorado gosta delas, já saímos juntos, mas elas não suportam a ideia: aqui menino não entra! Largo o grupo ou largo meu namorado no sofá junto com os outros maridos chatos? O que você acha? Obrigada! Franciele.”

Querida Franciele,
 
Você não deve levar seu namorado. É criar uma indisposição natural entre as amigas. A motivação do encontro é justamente criticar os relacionamentos com leveza e desembaraço.
 
Não é a primeira que enfrenta o dilema, os demais maridos e companheiros devem fazer pressão. Mas nenhuma abre mão dessa terapia da amizade. Nem caberia. É uma magia branca fundamental.
 
Tranquilizante saber que outros experimentam problemas iguais. Quando a dor perde a exclusividade, ela diminui de tamanho.
 
Temos que dissociar o círculo dos amigos do quadrado amoroso. Manter um pouco da vida de solteira para não se sentir asfixiada pelo namoro – são os amigos que nos amparam na separação e nos ajudam na reconciliação. Pense como seria desgastante se aparecesse para assistir qualquer jogo de futebol de seu namorado. Ficasse parada na arquibancada e depois seguisse para testemunhar as trovas do churrasco.
 
A situação também favorece um terror psicológico: não existe como ficar à vontade com ele presente. Se ele permanecer quieto, tentará incluí-lo na conversa Se estiver falando sem parar, temerá que ele possa desagradar.
 
Não é que deixou de pertencer ao grupo, está sendo desagradável impondo uma exceção.
 
No fundo, sabe o que acho? Não deseja falar de seu romance e expor seu início de relacionamento.
 
Como estava solteira, não tinha motivos para ser criticada. Agora, teme que alguém brinque com seu conto de fadas.
 
Ele é seu para-raios.

COLETE À PROVA DE BOBAGENS
Arte de Fatturi

“Tenho 19 anos, namoro há quatro com um rapaz de 21 anos. Eu o amo muito, e o excesso atrapalha. O problema é que ele fez algumas coisas que me magoaram bastante. Não consigo esquecer. Três vezes me disse que estava interessado em outra pessoa. Isso me deixou muito insegura e bastante ciumenta. Enfim, fico remoendo, não confio mais! Um beijo, Eduarda”

Querida Eduarda,
 
Palavras de festim matam o relacionamento mais do que palavras de verdade.
 
São provocações à toa, bobinhas, desnecessárias, que ferem com violência porque ambos estão desatentos.
 
É uma brincadeira com a aparência, um comentário sobre o passado e feito o estrago.
 
O que parecia ser passageiro demora uma noite, dias, semanas, e nunca mais sai da alma.
 
Eu temo a discussão ridícula. É a que mais causa a mortandade do amor.
 
Ele confessou que estava interessado por outras, não que teve uma história.
 
Óbvio que era uma observação infantil para produzir ciúme. Nem sei se é real. Não precisava ter caído na armadilha, preocupou-se como se fosse uma ameaça.
 
Poderia brincar que estava atraída por outros sujeitos. E ele iria ruir, e desistir das chantagens para conseguir ainda mais carinho, compreensão e amor.
 
O que vem acontecendo com vocês é que não admitem a ideia de terem se apaixonado tão jovens. Entraram num jogo diabólico de maltrato.
 
Como não têm antecedentes de infidelidade, inventam situações, personagens e cenários para ver como reagiriam se isso acontecesse.
 
É um delírio a dois. Ele percebe que é ciumenta e larga mais corda para se enforcar. Você percebe que ele odeia pressão e intensifica a patrulha.
 
Não é salutar expor todos os pensamentos para seu par, muito menos cobrar que ele fale quando mergulha em silêncio.
 
Guarde algo para si. Selecione o que contar. Aceite que ele realize o mesmo.
 
Franqueza não é descarregar preguiçosamente a mente. É escolher o melhor a ser dito e a melhor hora de dizer.

 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 30/09/2012 Edição N° 17208
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FOME DE QUÊ?

Você já reparou que demonstramos nossa volúpia sexual durante a refeição?

Como você organiza seu prato, de que forma usa os talheres, é favor da mistura selvagem entre as porções?

O almoço é um aperitivo sexual.

Meu quadro DRnaTV, da TVCOM, no programa Tudo+, relaciona o comportamento da mesa e da cama.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro foi exibido na noite de terça-feira (25/9).

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

MÁQUINA RECEBE DANILO GENTILI

Retiramos o comediante Danilo Gentili de uma sauna gay para revelar um outro perfil: religioso, envergonhado, solteirão sem paciência para namorar.
 
O apresentador de "Agora é Tarde" mostra a vida secreta de seus pensamentos no meu programa A Máquina, da TV Gazeta.
 
O encontro aconteceu na noite de terça-feira (25/9).
 

RETIRO NUPCIAL

Arte de Eduardo Nasi 

Recomendaram-me sair de perto.

— Fique longe dos lugares preferidos do relacionamento, dos restaurantes conhecidos, dos percursos decorados. Revê-la de repente será constrangedor.

Eu ri, afinal como se esconder em Porto Alegre? Inútil como criança buscando refúgio atrás das cortinas. Inútil. Na capital gaúcha, natural se esbarrar num show, no teatro, no cinema. Nossos gostos eram muito parecidos, o que fortalece o acaso.

Se fosse seguir o conselho, não poderia nem assistir ao meu Inter, grandes chances de enxergá-la nas arquibancadas do Beira-Rio.

Para relaxar da paranoia amorosa, fugi para Belo Horizonte. Antes me certifiquei de que não havia nenhum Congresso de Psiquiatria durante o período.

Eu me internei no Hotel Ouro Minas, disposto a retomar o livro de poemas. Nada como o luxo para curar a avareza da separação.

O conforto já me fazia bem: passeava sem medo de traumas e comia sem olhar para a porta.

Mas, no hall de recepção, quando desci para ler jornais, havia cinco casais se amassando. Beijavam-se loucamente, em lascívia cega, similar aos adolescentes nos bancos dos shoppings.

Veio o mal-estar. Pareciam casais cenográficos. Don Juans ensandecidos enfiavam as mãos nos coques das donzelas. Muitos enlaces fervorosos, reticências dos suspiros, juras endeusadas.

Eu fingia ler, apesar da solidão me angustiar. Quando sofremos de amor, qualquer alegria é uma nova tristeza. Recrutava calafrios nas lembranças recentes.

Enjoado, larguei o caderno de Esporte pela metade, cometendo alto sacrilégio masculino.

No almoço, o isolamento aumentou. Tinha a certeza de frequentar uma excursão do Dia dos Namorados ou um cruzeiro de Roberto Carlos. Mesinhas a dois, com luz de velas, os garçons de black-tie, as cozinheiras sorridentes como aeromoças, uma atmosfera romântica pegajosa no ar.

O maître, ao puxar minha cadeira, ensaiou preocupação:

— Sua esposa vai descer logo?

Aquilo me turvou. Será que não havia vida solteira naquele prédio?

Pedi comida no quarto.

De noite, o meu oitavo andar foi tomado de uma onda sonora perturbadora. Gemidos, música alta, cama rangendo. Cada quarto comportava uma rave, era o que dava para imaginar. Impossível adormecer sabendo que todos transam, menos você. Um puteiro seria mais discreto. Havia uma algazarra libertina, as vigas tremiam, os quadros tremiam, minhas sobrancelhas tremiam de raiva.

Na manhã seguinte, antecipei a conta.

O recepcionista questionou o motivo de encurtar a estada.

— Querido, aqui unicamente enxergo casais se amando e esnobando seu amor.

Ele balançou o rosto de modo gracioso, explicou que o hotel realiza uma promoção aos recém-casados uma vez por mês. Naquele fim de semana, o lugar recebeu vinte e nove pares em núpcias.

Desespero não é ser jogado ao pior lugar. É estar no melhor lugar no momento errado.

Voltei imediatamente a Porto Alegre. Agora só faltava encontrar a minha ex com outro no aeroporto.
 
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 25 de setembro de 2012

MULHERES HOJE

Arte de Roy Lichtenstein
 
As mulheres não telefonam no dia seguinte.

As mulheres somente querem sexo.

As mulheres pedem para pular a preliminar.

As mulheres dormem logo depois da transa.

As mulheres só almejam a ascensão profissional.

As mulheres preferem loiros burros.

As mulheres abandonam seus parceiros de repente.

As mulheres não desejam ter filhos, nada que atrapalhe sua carreira.

As mulheres acreditam que suas mães e suas avós eram umas coitadas.

As mulheres não permitem que ninguém dirija seu carro.

As mulheres confiam que felicidade é se manter ocupada: sair do trabalho para a festa, da festa para o trabalho.

As mulheres recusam homens românticos, carentes e dedicados.
 
 
As mulheres se enxergam envergonhadas diante de demonstrações exageradas de amor, como flores e chocolate.

As mulheres amam mentir e narrar indiscrições sexuais às amigas.

As mulheres gostam de filmes de ação para não pensar muito.

As mulheres largaram aulas de dança para lutar boxe tailandês e Krav Magá.

As mulheres consideram o ciúme um sentimento inferior.

As mulheres abominam a ideia de partilhar a mesma residência. Cada um precisa ter seu endereço, para facilitar separações.

As mulheres odeiam cozinhar, passar roupa ou arrumar a casa, qualquer serviço menor, que não traga rendimentos. E, de modo nenhum, descem com o lixo.

As mulheres já estão enfrentando ratos e matando baratas.

As mulheres apenas aceitam discutir o relacionamento com o terapeuta.
 
 
As mulheres fazem escândalo quando o homem se oferece para pagar a conta, é sinal de submissão.

As mulheres não se importam com a vida afetiva dos outros por absoluta falta de tempo, entretidas demais em resolver seus problemas.

As mulheres não estão dispostas a negociar, é tudo ou nada.

As mulheres não prestam mais atenção em detalhes, como gola desajeitada da camisa ou fio estourado da roupa, dedicam-se aos grandes assuntos emergentes.

As mulheres não se arrependem, não voltam atrás, não sofrem com dúvidas – o ideal é olhar sempre para a frente. A incerteza é para os fracos.

As mulheres não escutam o que a sua companhia fala e repetem as últimas palavras para fingir que ouviram.

As mulheres sentem repulsa de conversar sobre gêneros.

Não é evolução imitar o pior do homem.

Nós é que deveríamos nos igualar a vocês. Nós é que estávamos atrasados em sensibilidade.

Esta igualdade é decadência.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 25/09/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17203

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

domingo, 23 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

RETROCEDER JAMAIS
Arte de Fatturi

“Tenho 31 anos, um filho de 10, e moramos juntos com minha namorada há seis anos. De repente, surgiu a vontade de ir morar só com meu filho. Não pretendo terminar o relacionamento, apenas quero viver no meu canto, ser mais independente. É egoísmo? Isso pode dar certo? Beijos, Heloísa.”

Querida Heloísa,
 
Esta é a encruzilhada: recuar no relacionamento sem sacrificá-lo. Você pretende morar sozinha depois de seis anos. Quais os motivos? É necessário explicar muito bem e várias vezes para a atitude não ser compreendida como deserção.
 
Não há incompatibilidade no momento, brigas e ruídos, o que complica o entendimento da companhia.
 
Vocês formam uma família. A mudança representa uma mudança de rotina para o filho. Já projetou como seria dividir as tarefas entre duas residências, duas vidas e ainda conciliar namoro, trabalho e maternidade?
 
O que desejo dizer com esses questionamentos: acho que você deseja se separar e não pretende assumir a bronca. Criou uma transição diplomática para acomodar as forças contrárias e sair por cima. É um modo de se afastar pouco a pouco para se separar definitivamente ao final.
 
É evidente que o relacionamento vai esfriar. Ela terá desconfiança de seus sentimentos a partir de agora.
 
O amor não aceita menos do que já recebeu. Nunca.
 
Será que não ambiciona uma relação sem trabalho, apenas com o prazer no final de semana? Uma relação sem as dificuldades de convivência? Não será um amor preguiçoso que se pretende adolescente toda a vida?
 
Independência não é isolamento, mas também é dividir o teto com alguém e manter sua individualidade. Independência também é casamento.
 
É não ser sufocado pelas diferenças, nunca abandonar ou cair fora.

O NOIVADO É UM ALTAR MOVEDIÇO

Arte de Fatturi

“Tenho um amigo muito querido que conheci no final da faculdade. Desde então, mantemos contato diário, eis que trabalhamos juntos. Ele é casado há sete anos; eu sou noiva. Esses dias, enquanto conversávamos, ele acabou me beijando e eu correspondi. Ficamos apenas uma vez. Sei que ambos somos comprometidos, mas confesso que gostaria de ficar com ele novamente. Estou perdida num turbilhão de dúvidas. Maria Teresa"

Querida Teresa,

O noivado é um poço de intrigas. Uma tensão amorosa. Um festival de desculpas.
 
É a fase mais delicada e perigosa de uma relação, rica em desmanche de casais. Purgatório que criamos para manter o envolvimento do namoro e acalentar promessas de paraíso.
 
É como experimentar uma perturbadora tomada de decisão: será que me entrego para um único sujeito ou permaneço solteira para desfrutar de outras opções? Será que tomo uma história conjunta ou sigo com minhas alternativas de carreira e viagens sem ninguém para me incomodar?
 
O noivado é fatalista. Existe para não se casar, em vez de ajudar o enlace. Apesar do avanço do comportamento, temos a ideia do casamento para o resto da vida e pretendemos fugir dessa condenação com o primeiro que surgir em nossa frente. Você está vulnerável, fragilizada, pois está contaminada pelo complô romântico de que não há como desistir depois.
 
Então, para se ver livre da escolha, vem forçando um caso. Transferiu a responsabilidade para o colega de trabalho. Houve apenas um beijo, e já desenvolveu uma saída romanceada para largar os compromissos, já sofre de palpitações, já tem vontade de desabafar para seu noivo e contar a verdade. Extremou ao máximo um flerte, exagerando sua importância, criando pretextos para romper o noivado.
 
Na sua mente idealizada, elaborou a seguinte defesa: é mais justo desistir de um noivado por um amor verdadeiro.
 
Sua imaginação não está permitindo que a memória desenvolva lembranças.
 
Seja fiel a si mesma: você não está amando seu noivo. Não case por dote social.
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 23/09/2012 Edição N° 17200
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

UMA HISTORINHA DE AMIGOS

Arte de Peter Blake

Depois da separação, a ex-mulher exigiu:

— Não mande mensagens para mim.

— Não fale com meus amigos.

— Não apareça perto de minha casa.

— Não passe na frente de meu serviço.

— Não procure minha família.

— Não jogue futebol em minha praça.

— Não namore nenhuma de minhas conhecidas.

— Não me telefone.

— Não frequente meu supermercado.

— Não compre carne no açougue do gringo.

— Não apareça nos meus restaurantes prediletos.

— Não coloque nossas fotos antigas na internet.

— Não vá na Green Valley dançar.

— Não viaje para serra em outubro.

 Daí o ex-marido respondeu:

— Mas se é para continuar mandando em mim, não é melhor a gente permanecer casado?

Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (21/9) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernano Zanuzo:
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

VOTUPIRA É FINALISTA DO JABUTI

 
Sou um dos dez finalistas na categoria Infantil do 54º Prêmio Jabuti de Literatura, da CBL - Câmara Brasileira do Livro. O anúncio aconteceu nesta quinta-feira (20/9). A premiação é a mais importante e prestigiada da cena literária brasileira.
 
Concorro com "Votupira - o vento doido da esquina" (SM Edições, 32 páginas), ao lado de craques do gênero como Ziraldo e Ignácio de Loyola Brandão. O anúncio dos ganhadores está previsto para 18 de outubro. Este ano foram 2 203 inscritos.
 
É a quarta vez que me classifico entre os melhores - já venci o Jabuti em 2009 na categoria Contos e Crônicas com a coletânea "Canalha!" (Bertrand Brasil).
 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

MUTANTES


Até onde você pode mudar por amor?

Qual o limite para manter a personalidade e não mergulhar na submissão?

Meu quadro DRnaTV, da TVCOM, no programa Tudo+, examina as mutações do início do namoro.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro foi exibido na noite de terça-feira (18/9).

ENTRE CALCUTÁ E BAGÉ

Arte de Eduardo Nasi

Não subestime a dor da separação.

É uma alternância arrebatadora para o bem e para o mal. Um vaivém. Uma contradição de fim e início, tudo colado, de uma hora para outra; convalescenças instantâneas e movediças, adoecimentos súbitos e desmoralizadores.

Por precaução, não marque compromissos no intervalo de doze horas: imprevisíveis suas condições psicológicas. Às vezes está em Calcutá e a vaca é santa e outras em Bagé e ela é churrasco de domingo.

Não ouse se explicar. É uma desintoxicação lenta e gradual. Alguém dentro de si precisa morrer. Ou você ou sua ex. É uma luta para quem ficará de pé em seu rosto. Muitos homens terminam com uma máscara feminina após o luto — é que renunciaram a própria fisionomia para assumir os traços de seu amor.

Não menospreza a guerra. Quem foge da fraqueza perde. Quem mergulha na fragilidade também perde.

A impressão é que se arrebentará chorando. Chora como um animal, rasteja nas vogais, jura que sua vida acabou, que não tem mais nada para fazer, chora por si mais do que por ela. Chora vento. Vacila ao atender ao telefone, já que toda palavra mais longa é cortada por um calafrio. Desaprende a se despedir educadamente, acostuma-se a desligar na cara do amigo. Seu tempo é de cortinas cerradas e insalubridade.

Prepara um coquetel de lembranças comoventes, joga as caixas fora e toma a overdose para abraçar o esquecimento. Busca dormir logo, somente dormir, porque sonhando ainda tem a chance de encontrá-la desatualizada do fim.

Mas você acorda, apesar da força de vontade para não se levantar, apesar da reza para que o calendário morra.

Ao arquear o corpo, estará disposto, estranhamente contente, nem se assemelha ao moribundo do turno anterior, é como um revezamento de identidade, uma substituição de pele.

Como um final de semana de sol na praia, vai pular da cama, escovar os dentes cantando, jogará espuma no espelho, certo de que amará de novo, com gula, com insanidade selvagem, sem medo de ser usado e esperançoso do par perfeito.

Como a liberação de endorfinas de uma corrida, nenhum obstáculo será grande o suficiente para amedrontá-lo. Confia que se esbarrar com ela, não tremerá. Se a enxergar com outro, pode até oferecer três beijinhos no rosto.

Marca festas, escreve mensagens animadas e irônicas, planeja dobrar sua rotina de trabalho para ser feliz como nunca. Agradece a sorte, a solteirice, conclui que o namoro é um fardo a menos, pode sair e voltar quando quiser, não depende de explicações, pondera comprar um caminhão Ford para inscrever no para-choque: não me separei, eu me livrei.

O entusiasmo não dura sequer um longa-metragem. Os olhos espetados de Pitanguy se agravam em olheiras de Boris Karloff. Retorna a um desânimo violento, a ânsia é cancelar os compromissos, as reuniões e as saídas com os colegas, rasteja para a cama novamente. Puxa a coberta como se fosse mais pesada do que seu corpo. E adormece, para se enganar.

Todo mundo que sofre por um amor perdido tem dupla personalidade.
 
 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 18 de setembro de 2012

VENHA, POR FAVOR

Arte de Gustav Klimt

Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão dos meus irmãos. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educado a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 18/09/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17196

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

BUZINAÇO

 Arte de George Grosz

Adoramos engarrafamento, não temos coragem de confessar, mas adoramos engarrafamentos.

É um sinal de que moramos numa metrópole moderna, inviável, cheia de compromissos urgentes.

É a certeza de que não fazemos mais parte de uma cidade pequena e de sonhos provincianos.

Ouça meu debochado comentário na manhã de sábado (15/9) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Rafael Colling e Fernando Zanuzo:



domingo, 16 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

FILHO ÚNICO DO AMOR

Arte de Fatturi

“Tenho 30 anos, ele, 42. Nunca casou, é jovial sem ser ridículo. Viajamos, nos divertimos. A receita parece dar certo. Amigas sabiam do passado negro dele. No e-mail, enquanto ele dormia, vi comunicação com outras meninas. Por que homens precisam de outras janelas quando uma porta está aberta? Mirna”

Querida Mirna,
 
Já matou a charada intuitivamente: ele é o solteirão convicto. Não se interessa em casar. Sua rotina é falar com várias amigas ao mesmo tempo e manter sua dominação territorial. Não entrega a carteira de sedutor. Acompanhado ou não, mantém uma rede de contatos sempre atualizada.
 
É como um chefão preso; continua dando ordens de dentro do presídio. Seus amigos mandam as últimas notícias da farra e o mantém informado dos movimentos de conhecidas.
 
Homem sem antecedentes matrimoniais até os 40 é pior do que boneco inflável. Poderá encher ou esvaziar seu ego que ele não mudará a concepção de independência. Dificilmente se dispõe a trocar o estado civil e abdicar da fama junto às mulheres. Prefere o conforto da privacidade ao trabalho de ceder espaço e abdicar do próprio passado. É um tipo decidido, costuma ter profissão consolidada, que serve como desculpa para a falta de tempo.
 
Seu namorado nasceu para relações curtas e efêmeras. Deve preferir namorar no inverno, ideal para programas a dois e viagens românticas, mas encerra a relação no verão, quando deseja estar com condicionamento físico em dia e aproveitar a liberdade das baladas.
 
Não é o perfil que trai, é o que termina e não oferece chance para intimidade mais longa. É inconcebível a ideia de morar com outra pessoa e partilhar seus segredos e perder suas manias. É o filho único do amor. O filho mimado. Não admite dividir o quarto.
 
SAÍDA DE EMERGÊNCIA
Arte de Fatturi


“Vamos não vamos, nos perdemos, voltamos. Ele mudou de cidade, mas sempre ia me ver. Uma semana antes de eu ir para a Suécia, ele pediu que eu ficasse, propôs morar com ele. Foi da boca para fora. Ele vasculha minhas fotos e mural no Facebook, mas não manda mensagem. Será que não sou nada? Graça”

Querida Graça,
 
Vocês criaram aquilo que chamo de “romance de saída de emergência”. É um relacionamento que não conhece paz, harmonia e calma, adora crises e cresce com a possibilidade do fim.
 
Quando estão perto de romper em definitivo, as juras são renovadas e alimentam a ilusão de que o relacionamento engatou de vez. Em seguida, com a estabilidade, a convivência retoma o batimento e voltam a provocar um ao outro por uma nova declaração e picos de audiência cardíaca.
 
Ele ama você, mas não ama a vida que pode ter com você.
 
Ele ama você, mas odeia estar amando. Compreende o amor como uma maldição, uma pegadinha do destino. Pretende ficar próximo, mas rejeita o cenário de simbiose e dependência.
 
Confia que o amor é uma fragilidade a ser evitada. Atrapalhará sua liberdade de ir e vir, prejudicará os negócios e o desempenho profissional. O amor é uma espécie de inimigo insaciável, a exigir disponibilidade para gentilezas, mimos e cuidados.
 
Ele experimenta a seguinte crise: não se separa e também não se entrega. Procura se livrar do amor, mas não de sua companhia.
 
Isso explica a vigília em silêncio (vasculhando seu Facebook) e a natural resignação diante dos adiamentos e promessas quebradas (como a do aeroporto).
 
Entendeu a contradição?
 
Não construiria minha vida para chamar seu retorno. Não mudaria os hábitos ou inventaria viagens loucas para atrair seu desespero. Vai sofrer muito.
 
Não pode ser metade do que você é porque ele não é inteiro.
 
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 16/09/2012 Edição N° 17194
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sábado, 15 de setembro de 2012

MÁQUINA RECEBE ZÉ DO CAIXÃO



O cineasta e ator José Mojica Marins não ostenta mais a capa preta e as roupas de terror. Mas continua assombrando com suas unhas enormes e seus dentes afiados.

Ele retira todo o sangue do meu programa A Máquina, da TV Gazeta.

Recorda de triste mediunidade: profetizou a morte de principal amor de sua vida.

O encontro aconteceu na noite de terça-feira (11/9).


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

ACÚMULO DE ADIAMENTOS

Arte de Paul Klee
 
Quando a mesa da sala está manca e você não arruma, quando a lâmpada da área de serviço está queimada e você não troca, quando existe uma infiltração de anos na parede e você não se mexe, quando a maçaneta da porta da cozinha está quebrada e você não conserta, é que não tem mais vida pessoal. A casa denuncia nossos maus tratos.
 
Ouça meu comentário na manhã de sexta-feira (14/9) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo:
  

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

LISTA DE CONVIDADOS PARA TODA VIDA

Faça lista de amigos antes de começar o namoro.

Depois veja quantas baixas ao longo da relação.

Não é terrível?

Mantenha tempo para amizades. Mesmo sob forte vendaval amoroso. 

Os amigos são nossa individualidade. Nossos conselheiros. Nossa saúde emocional. Aqueles que conhecem o nosso passado para nos impedir de boicotar o futuro.

O quadro DRnaTV, da TVCOM, discute manias de nosso comportamento amoroso.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (11/9).

VAI PASSAR

Arte de Eduardo Nasi

Ao fazer meu check-in no terminal do aeroporto, empaco e crio fila. Não superava a etapa: qual o contato de emergência? Nome? Telefone?

Não digitava nada. Quem colocar? Quem vai velar por mim depois que você foi embora?

Sobrevivo assim a maior parte do tempo.

Quando ando pela rua, reviso os bolsos, fraquejo com a memória, me assusto com as coincidências. Saio de casa com a impressão de que deixei a cafeteira ligada, a porta destrancada.

Qualquer atitude esconde sua ausência. Todo lugar que já estivemos me rebobina. Olho, e me perturbo. Se avisto um twingo, corro para ler a placa. Se percorro Ipanema, vejo sua sorveteria predileta e minha boca procura reaver o cheiro de pistache. Quando atravesso a faculdade, recordo o quanto desejava ter um leão de pedra no pátio de sua casa. São observações aleatórias, coisas que diríamos.

De tanto antecipá-la em pensamento, hoje minhas palavras me atrasam.

Nem dormindo não tenho paz. Eu me acordo cinco vezes por noite. Consulto o relógio a cada duas horas até amanhecer. Despertar é uma vitória, como uma festa ruim que dependemos de carona.

Antes explicava para as pessoas que estava separado. Agora cansei. Se me perguntam de sua presença, respondo: — Tudo bem! E terminou o assunto. Explicar constrange.

O que mais me atormenta é que os amigos e familiares usam o mesmo bordão para me acalmar:

— Vai passar.

Não é um conselho alegre. Não me tranquiliza saber que terminaremos.

É uma advertência que me desespera. Não gostaria que passasse.

Eles não entendem que não sofro porque o amor acabou, sofro para não acabar o amor.

Sou contrário ao término, me oponho à nossa extinção.

Sou o único que resiste contra o fim de nossa história.

Eu não quero que passe. Mas sei que vai passar.

Sei que o amor vai morrer desidratado, faminto, por absoluta falta de cuidado.

Vai passar, infelizmente.

Tudo o que a gente construiu junto vai passar.

Tudo o que a gente idealizou, inventou e armou vai passar.

O lugar no peito que recebia seu rosto para dormir vai passar.

Nossos apelidos, nossos chamados, nossas piadas vão passar.

Por mais que acredite que seja impossível, irei namorar de novo, me apaixonar, casar e rir docemente sem culpa.

Vai passar.

Não superamos os medos, sucumbimos na segunda crise, desistimos de insistir.

Somos fracos, somos influenciáveis, somos tolos.

Foi muita incompetência de nossa parte.

Não seremos inesquecíveis.

Vai passar.







Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

terça-feira, 11 de setembro de 2012

OS POTINHOS FORA DO PRÉDIO


Na saída do meu prédio, sempre piso em pratinhos de água e restos de comida, destinados por algum vizinho a um cachorro de rua.
 
Molho a bainha da calça, espirro polenta na roupa, mas o incômodo físico é o de menos.
 
Pressinto uma falsidade involuntária na assistência.
 
Quando criança, era natural oferecer, totalmente escondido, leite para ninhada de gatos, até os pais admitirem sua entrada em nossa vida.
 
O cenário diante do meu condomínio é outro: adultos repassam comida sigilosamente sem nenhum motivo. Escondem de quem? De si?
 
Por que o tráfico de ternura?
 
Toda manhã, a refeição é renovada e o coitado do bicho comparece para matar a fome e a sede. Só que ninguém mata sua orfandade.
 
O que sugere ser uma boa ação, na minha crença, é crueldade.
 
É trazer o cãozinho para perto e não permitir-lhe entrar. É oferecer a isca e abandoná-lo. É fingir que preserva sua saúde durante alguns minutos para largá-lo à sorte no restante do dia.
 
É criar uma série de mendigos de quatro patas aguardando a esmola da entrada.
 
Cada morador que entra no conjunto residencial recebe uma mirada funda, triste, implacável.
 
O olhar canino tem carências de chapéu – e o coração se contrai como niqueleira vazia.
 
O animal não se vê recompensado e satisfeito, mas viciado e perdido. Suga as nossas sobrancelhas. Abana o rabo por qualquer contração do rosto, na expectativa de uma família adotiva.
 
Está sendo torturado: não sabe como agir para ser aceito, não sabe se deve ficar imponente de vigília ou desaparecer discretamente e retornar no sol seguinte.
 
Ele se frustra perante a porção. Não tem um afago demorado, sinal de permanência, um assobio confiante para libertá-lo.
 
Quem alimenta no portão está se enganando e enganando o bichinho.
 
Não tem coragem de colocá-lo em sua sala, em sua cozinha e integrá-lo definitivamente a um teto.
 
Faz de conta que ama e se preocupa, porém recusa o trabalho inteiro de recuperação e treinamento.
 
É um cumprimento de mão frouxa. Mantém próximo, jamais protegido.
 
Não existe generosidade parcelada, é uma prestação única e à vista.
 
Desse jeito, é ajudar para receber o título de bondoso, nunca porque deseja realmente ajudar.
 
Oferecer sobras é assistencialismo, é populismo, é paliativo.
 
A responsabilidade é a única caridade por inteiro. O resto é adiamento.
 
Se quer cuidar do bicho, leve para casa. Dê um lar. Assuma o compromisso do convívio.
 
É abrir a primeira porta, a porta do meio e a porta de dentro. As três portas que separam a aparência do caráter.
 



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 11/09/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17189

SOBERBA É RECLAMAR DA PRÓPRIA ALEGRIA


 
Minha mãe se endividava com alegria. Ia com felicidade para as compras. Ela explicava:
 
— Doido é quem gasta e reclama. Comprar reclamando é doença.

Ouça meu divertido comentário na manhã de terça-feira (11/9) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, com Antonio Macedo e Fernando Zanuzo:
 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

MAL-ME-QUER

Arte de Monet
 
Marchar no Desfile de 7 de Setembro durante uma hora debaixo de um sol de 40 graus era o menor dos males.
 
Terrível foi que a escola vestiu meninos e meninas de florzinhas.
 
Tive que acenar aos pais como Margarida.

Ouça meu trauma fundador em comentário no sábado (8/9) na Rádio Gaúcha, programa Gaúcha Hoje, apresentado por Rafael Colling e Fernando Zanuzo:
 
 

domingo, 9 de setembro de 2012

QUASE PERFEITO — Consultório sentimental de Carpinejar

Arte de Eduardo Nasi
 
ENVOLVIMENTO DEMAIS

“Tenho 31 anos, sou profissional liberal bem-sucedida, culta, bem-humorada. Meu relacionamento terminou há quatro meses, quando pressionei meu namorado para alugarmos um apartamento. Ele confessou não estar pronto. Era uma pessoa muito ligada à mãe. Abraços, Magda”

Querida Magda,
 
Não sei se isso é uma pergunta ou uma propaganda pessoal. Você está extremamente partidária de si. Numa campanha eleitoral ostensiva. Nunca errou, pisou na bola? Aparece pregando suas virtudes, o que provoca uma severa desconfiança do eleitorado.
 
Quem se elogia antes não oferece espaço para elogio depois. Acho que somente espera que eu concorde com sua vitimização, mas vamos pensar juntos. Quando tememos um amor, ele fica. Quando desejamos desesperadamente um amor, ele some.
 
Temer é viver a dúvida, a inquietação, ouvir o contraponto com interesse. Já ambicionar o casamento antes do amor é atropelar o namorado com nossa ansiedade. Está tão faminta de uma relação que não sente o sabor das pequenas ofertas.
 
Sua ânsia de se estabelecer rapidamente (e encontrar um parceiro à altura de seus predicados) aniquila qualquer relacionamento. Cheira como um golpe, trote, insanidade. A decisão de morar junto deve ser conjunta, senão haverá recaída logo mais adiante. Se ele diz que não está pronto, não estava brincando. Tanto que acabou.
 
Quando o primeiro pressiona, e o segundo resiste, é um sinal de desentendimento futuro. Não iria mudar sua mentalidade, ou vencer o concurso materno com a sogra. No amor honesto, é mais fácil desistir de nossas convicções do que convencer o outro. Minha dica: use talheres e guardanapo, pare de comer com as mãos.


SEM ENVOLVIMENTO

“Resolvi não me envolver com mais ninguém, mas não consegui. Estou saindo com um cara há quatro meses. Ele deixou claro que não vai se envolver, e eu aceitei. Não começamos e por isso não temos como terminar. Todos me orientam para sair dessa: mãe, amigas. Beijo, Penélope”.
 
Querida Penélope,

Amor não é contrato onde rubricamos cláusulas ou respeitamos promessas logo na entrada. Dizer que não vai se envolver é o mesmo que pedir em casamento de cara. A mesma arbitrariedade. A mesma ditadura. A mesma falta de senso. O mesmo assalto.
 
Estabelecer regras do jogo antes de jogar é constranger a namorada. Entendo que tenha concordado, fingido desinteresse. Entendo que é um modo de não pressionar.
 
Mas ele usará suas palavras contra você. Sua expectativa é que ele mude de opinião e confesse que a ama para seguir com aquilo que realmente se propõe (um namoro sério). Sofrerá todos os encontros aguardando a declaração amorosa libertadora. Criou uma dependência desnecessária. Uma fissura que prejudica o entendimento dos fatos.
 
Está empenhada em alcançar um fim, e é natural desprezar o andamento ou não se ligar com detalhes importantes da aproximação. É um blefe. Todo blefe custa caro. Como não há como ganhar com sua verdade, ele precisa perder. Torce para que ele morda a língua e assim não ser derrotada. O fracasso dele é sua vitória. O êxito dele é seu fiasco.
 
Quando o sujeito confessa que não deseja se envolver não é franqueza, é cara-de-pau. Nas entrelinhas, está avisando o seguinte: terá que me agradar muito para me conquistar. Ele lava as mãos para que trabalhe dobrado pela relação. Ele apenas quer receber e ser mimado. É o escravagismo do silêncio.
 
Abolição já!
 
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 09/09/2012 Edição N° 17187
Preservamos a identidade do remetente com nome fictício.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MÁQUINA RECEBE RODRIGO RODRIGUES

Se vai para o inferno, arrume um bom amigo para passar o tempo.
 
Eu já tenho o meu álibi de crueldades: Rodrigo Rodrigues, RR, tijucano, apresentador do ESPN, idealizador e guitarrista do grupo The Soundtrackers e organizador do almanaque "Música Pop no Cinema" (Leya).
 
Ele é o convidado do programa A Máquina, da TV Gazeta.
 
O encontro ocorreu na noite de terça-feira (4/9).
 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SUSPIROS

Não fique engasgado de saudade.

Saudade é a alegria da dependência. Cura o egoísmo. Recupera a importância do outro.

Meu quadro DRnaTV, da TV COM, conta os minutos das horas dos dias das semanas.

Suspire junto.

A mediação é de Sara Bodowsky. O encontro aconteceu na noite de terça-feira (4/9).

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MEU PIOR VÍCIO

Arte de Eduardo Nasi

Quando me sinto só, cheiro meus braços.

Um naco de melancolia e puxo o perfume dos pelos dos braços.

Inspiro escondido, baixinho. Observo os lados para evitar flagrantes.

Eu me vejo culpado por me cheirar em público, como quem mexe no nariz.

Busco me controlar, mas repito de novo e de novo e de novo.

Para me livrar do hábito, teria que ser enviado imediatamente para uma clínica de desintoxicação. Ser preso em uma camisa de força. Ser amarrado na cama.

A verdade é que me acalmo com a fungada em minha pele — não há como evitar.

Pode estranhar a mania. Pode considerá-la uma excentricidade perigosa aos bons costumes. Pode, inclusive, me denunciar para as autoridades.

Já vejo os vizinhos fofocando a meu respeito:

— Aquele careca de óculos vermelhos é totalmente bizarro: cheira os braços.

— Coitada da esposa e dos filhos dele.

— É um viciado, vai desperdiçar sua carreira.

Já sofri preconceito e bullying. Fui pego por um policial cheirando os braços nas moitas da Praça Tamandaré.

Os braços são minha cocaína, meu rapé, meu Vick, minha cola de sapateiro.

É bater em mim uma orfandade de temperamento, a certeza de que ninguém me ama, que o olfato visita minha carne.

É irresistível. Não alcanço a origem do vício.

Desde quando faço isso, desde quando?

Intrigado, tomei Fanta Uva (Fanta Uva é minha hipnose regressiva).

Não surtiu efeito mesmo com uma garrafa dois litros.

Mas, duas semanas depois, ao passar pela frente da antiga escola Imperatriz Leopoldina, ouvi o sinal do meio-dia.

O sinal ainda é idêntico ao meu tempo. A sirene curta e alta.

O toque ancestral da infância mexeu com o pêndulo do coração, que balançou devagar, quase parando pelo peso do ouvido e da mochila imaginária.

Lembrei que ficava deitado em meus braços esperando o fim da aula.

Como a professora sempre terminava o conteúdo mais cedo, sobravam quinze minutos sem nada para fazer.

Ela ordenava:

— Fechem os cadernos e permaneçam em silêncio.

Ninguém deveria conversar com o colega. Calado, taciturno, impossibilitado de movimento, me aninhava em cima da mesa. Sesteava na cesta dos cotovelos.

Então, neste instante, cheirava meus braços.

Cheirava de olhos fechados, simulando a contagem dos segundos.

Até explodir a esperança da rua.
 






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

CORINGA


Matutei comigo: não é fácil fazer propaganda eleitoral.

A gente ri, critica, abomina, desliga, não suporta, mas já parou para exercitar o que você diria se fosse candidato.

O quanto é complicado se expressar em segundos. O quanto temos que elaborar um slogan rapidinho e às vezes totalmente ridículo.

Como não seremos cômicos se apenas podemos falar uma frase. Na verdade, resmungar uma frase. 

O candidato a vereador é um soluço da tevê, um suspiro do rádio.

Tarefa espinhosa: ser conciso com toda uma história de vida, falar o máximo com o pouco, criar um elo de identificação e se diferenciar de centenas de concorrentes.

Aproveitando as eleições 2012, elaborei várias vinhetas para mim. Para mostrar o alto grau de exigência.

Uma propaganda mais irreverente:
— Risos. Vote Carpinejar, Coringa da Rádio Gaúcha. Para uma manhã sempre feliz e poética.

Uma propaganda mais ecológica:
— Vote Carpinejar, capine já.

Uma propaganda com plano de governo, óbvio que impossível de ser cumprido:
— Prometo lavar a louça três vezes por semana, estacionar melhor no box do prédio, não pensar em sexo toda noite.

Uma propaganda para o eleitorado feminino:
— Vote Carpinejar, o homem com alma feminina.

Uma propaganda para a terceira idade:
— O que adianta fila preferencial se você não tem nada no banco: Vote Carpinejar.

Uma propaganda para o CTG:
— Peço licença mui valente tropeiro/ sou um humilde payador/ do pampa missioneiro/ enxotando falsos curandeiros.

Eu sei , eu sei, como publicitário sou um ótimo poeta.

Ouça meu divertido comentário na manhã de quarta-feira (5/9) na Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, apresentado por Antonio Carlos Macedo e Fernando Zanuzo: