sexta-feira, 30 de setembro de 2011

UMA VOLTA AO BRASIL EM 31 DIAS

03/10 (segunda-feira) – Ibirubá (RS), 19h30
Feira do Livro do Colégio Sinodal Ibirubá
Palestra
Local: Rua Firmino de Paula, 646 - Centro

04/10 (terça-feira) – Ibirubá (RS), 8h
Feira do Livro do Colégio Sinodal Ibirubá
Bate-papo
Local: Rua Firmino de Paula, 646 - Centro

06/10 (quinta-feira) – Criciúma (SC), 17h
6ª Feira do Livro de Criciúma
Palestra
Local: Praça Nereu Ramos

07/10 (sexta-feira) – Campinas (SP), 19h30
Café Filosófico – CPFL Cultura
Curador do módulo Humor com H: sensibilidade masculina
Palestra “Malícia: casamento entre humor e o amor”
Local: CPFL Cultura - Jorge Figueiredo Corrêa, 1632 – Chácara Primavera

08/10 (sábado) – Três Coroas (RS), 10h30
Feira do Livro de Três Coroas
Palestra

10/10 (segunda-feira) – Bento Gonçalves (RS), 19h30
Palestra “VERDADE AFETUOSA: sinceridade não é grosseria”
Local: Al João Dal'Sasso, 800 – Universitário - Bento Gonçalves
Universidade de Caxias do Sul
Campus Universitário da Região dos Vinhedos

11/10 (terça-feira) – Novo Hamburgo (RS), 15h
29ª Feira do Livro de Novo Hamburgo
Palestra
Local: Praça 20 de Setembro

11/10 (terça-feira) – Cachoeira do Sul (RS), 19h
27ª Feira do Livro de Cachoeira do Sul
Palestra
Local: Praça José Bonifácio

14/10 (sexta-feira) – Picada Café (RS), 7h30
11ª Feira do Livro de Picada Café
Bate-papo
Local: Parque Histórico Municipal Jorge Kuhn

18/10 (terça-feira) – Salvador do Sul (RS), 20h
Encontros com o Professor
Mediação Ruy Carlos Ostermann
Bate-papo

19/10 (quarta-feira) – Taquara (RS), 10h30
Feira do livro Centro Sinodal de Ensino Médio Dorothéa Schäfke
Palestra
Local: Rua Pinheiro Machado 1223 (Centro) - Taquara

20/10 (quinta-feira) – Natal (RN), 21h
FLiQ - Feira de Livros e Quadrinhos de Natal
Palestra

27/10 (quinta-feira) – Santa Cruz do Sul (RS), 20h
Confraria do CTRL A
Bate-papo promovido por Rádio Atlântida e jornal Zero Hora

28/10 (sexta-feira) – Leopoldina (MG), 20h
XX Concurso Nacional de Poesias Augusto dos Anjos
Palestra
Local: Plenário da Câmara Municipal

29/10 (sábado) – Porto Alegre (RS), 16h30
57 ª Feira do Livro de Porto Alegre
Mesa sobre o livro Mãe de Dois com Maria Dolores
Local: Sala Oeste do Santander Cultural
Praça da Alfândega Centro POA

30/10 (domingo) – Porto Alegre (RS), 18h30
57 ª Feira do Livro de Porto Alegre
Mesa com Marcelo Rubens Paiva
Local: Sala Leste do Santander Cultural
Praça da Alfândega Centro POA

31/10 (segunda-feira) – Salvador (BA), 18h
10ª Bienal do Livro da Bahia
Sessão “Mídias digitais, e-book: o futuro da literatura”
Mesa com Nelson Pretto sobre “O futuro já chegou?”
Local: Centro de Convenções da Bahia

terça-feira, 27 de setembro de 2011

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (TCC)

Arte de Hieronymus Bosch

Se você já foi um universitário ou tem um filho na universidade, entende o valor da temida sigla TCC.

TCC é tudo. O resto é nada. Você é nada, uma ameba, um protozoário perto de um TCC.

O Trabalho de Conclusão do Curso é a greve de existir do jovem. Faz o vestibular parecer um feriado.

O TCC é a TPM do Ensino Superior, a cadeira derretida do inferno, a desculpa para não realizar mais nada.

Não se vive com um TCC. A monografia final da graduação é a fita azul que enrola o canudo, é a provação derradeira para emoldurar o diploma, é o que separa o capelo do céu.

Na teoria, a tarefa se exibe fácil. Arrumar um tema, depois juntar material de pesquisa, atender aos conselhos de um professor orientador e, por fim, escrever 60 páginas. O fim nunca se encerra. No momento de pôr as ideias na tela, o último semestre demora mais três e o pânico devora as letras do teclado como um vírus.

O TCC é o Gulag do adolescente, o exílio solar, a solidão noturna. É o bilhete de suicídio prolongado em livro. É o mesmo que receber simultaneamente a notícia de gravidez e esterilidade.

Não se é humano com o TCC. É um crime se divertir, arejar a cabeça, brincar durante o período. A expectativa de solucionar um problema da carreira a partir de um texto acadêmico torna-se o problema. O futuro ganha o sinônimo de PRAZO ESGOTADO. A esperança tem o subtítulo ANOTAR ALGUMA COISA, QUALQUER COISA, POR FAVOR, ME AJUDA. O sujeito não tem mais passado, mas BIBLIOGRAFIA. Não existe lembrança, e sim FONTE.

Muito fácil reconhecer o graduando na rua. Andará vagaroso, vidrado nos cadarços soltos do próprio tênis, rosto maltratado, remela nos olhos, roupas sobrepostas de quem se acordou agora e pegou as primeiras peças pela frente. Demonstrará irritação e uma dificuldade de entender a lógica do idioma. É um poço de culpa, ou porque não dormiu para estudar, ou porque dormiu e não estudou.

Algumas respostas básicas de um universitário redigindo o TCC:

Você namora? – Não posso agora, estou preocupado com o TCC.
Vamos tomar um café no fim de tarde e pôr o papo em dia? – Não dá, tenho que fazer o TCC.
Que tal Green Valley no domingo? – Nem pensar, estou com o TCC parado.
Topa churrasco de noite? – Nunca, não avancei no TCC.
Um cineminha hoje, para descontrair um pouco? – Desculpa, estou atrasado para o meu TCC.
Onde você está? – Tentando achar uma posição confortável para escrever meu TCC.
Você leu a crônica de Carpinejar em Zero Hora? – Não, só leio o que interessa ao meu TCC.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 27/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16838

sábado, 24 de setembro de 2011

O EMPALHADOR DE CÃES

Dono de um fox paulistinha, Ubirajara já empalhou 18 mil animais no seu laboratório instalado em casa. Fotos de Ricardo Duarte

O ex-bombeiro Ubirajara Lopes, 60 anos, tem o dom de assegurar vida eterna aos animais. Ou quase isso.

– Meu trabalho dura cinco séculos, o equivalente à infância e à adolescência de um vampiro.

Ele já empalhou mais de 18 mil bichos em seu laboratório nos fundos de sua casa amarela em Carazinho, cidade de 58,2 mil moradores, distante 285 quilômetros da Capital. A maior parte das encomendas são cachorros a pedido de seus donos, inconformados com a perda recente e que buscam manter uma imagem carinhosa do parceiro de estimação.

– Homens surgem chorando em minha porta, ainda sem entender a tragédia. Faço terapia, velório, chá, um pouco de tudo para acalmá-los e depois explico como é feita a homenagem.

Para estar apto ao trabalho de conservação, o bichinho deve ter morrido dentro do prazo de 72 horas. Os casos que mais aparecem para o empalhador são atropelamentos e envenenamento, fins súbitos, que privaram a família do direito a uma despedida.

– Deixo o cão em uma posição bonita, é o dono que escolhe sua cena predileta, como pretende enxergar o animal para sempre: sentado ou deitado ou de pé.

Atuando com taxidermia desde 1980, Ubirajara atende 15 pedidos por mês. Colabora também com Ibama e Museu Regional Olívio Otto de Ciências Naturais. Cada animal tem seu valor (cavalo custa R$ 4 mil; cachorro, R$ 2 mil; peixe grande, R$ 1 mil; coelho e gato, R$ 200; hamster e passarinho, R$ 50).

Nenhum obstáculo complica sua arte funerária, nem o motivo da morte, muito menos o porte da vítima e a raça. Depende de 60 minutos cronometrados para completar o serviço (tira o couro, preserva crânio e os ossos das patas e reveste o pelo com uma armação de ferro).

– Não acho estranho. Sou um fabricante de recordações.

Interessou-se pelo ofício na infância, ao acompanhar o pai em pescarias e caçadas e ficar intrigado com cabeças de dourados e de cervos nas paredes das residências de seus colegas.

– Peças tão reais, verdadeiras, vibrantes, aquilo fisgou minha curiosidade.

Autodidata, com a escolaridade até 6ª série, tornou-se craque em anatomia ao devorar enciclopédias de bibliotecas públicas. Levou adiante seu passatempo e estudou técnicas de embalsamento do Antigo Egito e dos rituais milenares à base de pó de canela, sal e pedra úmida.

Ubirajara é um Francisco de Assis da resina. Tem compaixão por bicho morto na estrada. Recolhe o corpo, desamassa, cuida da aparência e reza pela sua alma. O porta-malas do Ka é um Instituto Médico-Legal improvisado.

– O último olhar é o olhar do perdão, tem um brilho diferente, mantenho aceso para o resto dos dias – diz.

Apaixonado por cães, ele não descarta empalhar Cuca, seu fox paulistinha, quando falecer.

– As lágrimas serão meu formol.

As brincadeiras de mau gosto dos vizinhos representam a única parte chata da história. Ao vê-lo passar pela rua, um deles grita:

– Quanto cobra para empalhar minha sogra?

ALÉM DA VIDA


A sala iluminada apenas pela luz da TV. Como todas as noites, Natalino Cordeiro dos Santos, 52 anos (acima), está acompanhado de seu melhor amigo, o poodle malhado Caco, para assistir à novela. Pela força do hábito, coloca a mão atrás da orelha do cãozinho, é o lugar das cócegas. Mas Caco não se mexe, não late, não geme; morreu em 2008.

– Após ser atropelado, Caco veio cambaleando me abraçar.

Natalino recorreu a Ubirajara para eternizá-lo. Projetista de Passo Fundo, pai de três filhos, carrega o animal empalhado pela residência, reprisando o clima de lealdade.

– Prometi nunca abandoná-lo. Ele comia comigo, passeava na janela do carro, andava em duas patas na hora do mimo e lambia meu rosto ao me descobrir abatido.





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 24/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16835
Veja vídeos do ambiente de trabalho de Ubirajara.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CONVICÇÃO


Quando um jogador erra um pênalti raramente aceitará bater um próximo durante o jogo.

A clara vantagem moral do goleiro apaga a tranquilidade do batedor. O torcedor também não ajuda, e passa a vaiar qualquer ameaça à sua alegria, proveniente de um ídolo ou não.

Sou fascinado pelo exemplo do atacante argentino Martín Palermo, o El Loco. O maior goleador da história do Boca Juniors protagonizou na seleção de seu país a proeza de desperdiçar três penalidades numa única partida. O feito memorável ocorreu contra a Colômbia, em julho de 1999, pela Copa América.

Não me espanto pelas três chances decisivas e letais de gol postas fora, que asseguraria o empate da Argentina, mas sua teimosia inabalável de permanecer tomando a bola para si na marca branca da pequena área.

- Deixa comigo, agora vai!

Sua insistência é heroica, mítica. Palermo é primo de terceiro grau de Electra, dublê de Sísifo, cover dos corvos de Prometeu. Ele não se preocupou em proteger sua trajetória vitoriosa, em conservar sua reputação imaculada, abriu a guarda à crítica, largou a zona confortável da normalidade, permitiu-se extrapolar a cota de vexames que cada um suporta por dia. Enfrentou o próprio azar, para que se tornasse maldição ou redenção.

Muitos dirão que ele perdeu a cabeça, não teve bom senso, vejo o contrário: ele assumiu que era uma noite ruim e foi até o fim, não culpou o vento, a chuteira, o gramado, o juiz, não usou atenuante, não transferiu o peso da falha a possíveis movimentos irregulares do goleiro, não procurou se isentar da responsabilidade de decidir, não se apequenou perante o primeiro tombo, confiou em seu talento e insistiu. Assim que admitiu bater a segunda cobrança, estava fadado a seguir com a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, quantas surgissem. Não desistiria nunca. Ele levou para o lado pessoal, como deveríamos fazer sempre, ruim é quando levamos para o lado público e desistimos.

Ele chutaria de tudo o que é jeito, e talvez errasse consecutivamente, pela vida inteira.

Quem teria a mesma intrepidez? Quem bateria numa porta para ser negado sucessivas vezes? Nem o mendigo sobrevive à reincidência. No plano amoroso, só nos declaramos quando temos absoluta certeza da reciprocidade, e olhe lá! Poucos se arriscam sem absoluta confiança de uma resposta positiva. Dizer o "eu te amo" vem engasgado, confuso, rasteiro - o outro pede para repetir de propósito. Na ausência de certeza, recuamos, fingimos que nada aconteceu, escondemos os próprios sentimentos. Existe um medo de se confessar, justamente para não ser zombado, para não ser chamado de burro.

Covardia é fugir do fracasso, coragem é aceitar o fracasso. Palermo não foi palerma.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A UM FILHO QUE SE FOI

Arte de Edgar Degas

Minha amiga Dora perdeu seu filho.

Ela disse que o momento mais difícil do luto foi quando ela riu de uma piada durante jantar entre amigas. Já havia completado dois anos do acidente e um ano que limpara o quarto do adolescente e oferecera suas roupas e pertences para campanha do agasalho.

Não conteve o riso, ele veio, cristalino, por uma história boba. Ela se penalizou pela alegria, acreditou que traía seu filho com a gargalhada, que não poderia mais ser feliz depois da tragédia familiar, que deveria seguir com a feição contraída e casmurra para homenagear a tristeza e avisar aos outros da longevidade e importância de sua ferida.

A lealdade tinha que ser séria, ornada de renúncias. Para indicar que a viuvez de ventre é definitiva, com o berço dos olhos petrificado em jazigo.

Ela se sentiu culpada por rir, envergonhada perante os céus, pediu desculpa ao filho, prometeu que estaria mais concentrada dali por diante e que o descontrole não se repetiria.

Mas ela quebrou a palavra, e riu novamente, como é próprio da vida superar o pesar de repente. Seu rosto agora participava da conversa com todas as rugas e covas. Bateu vontade de cobrir os lábios de batom para brilhar inteira.

Dora me segredou uma frase pura, que guardei na caixinha de sapatos de minha infância:

– Foi uma injustiça meu filho morrer, mas não poderia deixar a morte de meu filho me matar.

Doralice sempre me surpreendeu pela sua lucidez. Foi minha professora de matemática na Escola Estadual Imperatriz Leopoldina. Na última semana, passei pela frente de sua casa no bairro Petrópolis e arrisquei apertar sua campainha. Ela me recebeu com um longo abraço e me convidou a entrar. Reparei que pintava na varanda.

– Começou a pintar, Dora?
– Eu? Não...
– O que é essa tela? (eu me aproximei da moldura que reproduzia uma praia no inverno)
– Ah, é minha dor que estava pintando, coloquei minha dor a se mexer, a aprender algo de útil, e parar de me incomodar.

E concordei com seu raciocínio. Quantas vezes abandonamos nossa dor no sofá, vadia, assistindo TV? Quantas vezes permitimos que ela fique o dia inteiro dormindo, lembrando bobagens? Nossa dor sozinha, sem emprego, sem fazer nada, desejando morrer no escuro. Nossa dor comendo às nossas custas, terminando com os nervos, o casamento, as amizades.

Dor é feita para trabalhar, senão adoecemos no lugar dela.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 20/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16831

sábado, 17 de setembro de 2011

DISCRETAS HEROÍNAS

Loreni e Nely atravessam o perigoso Rio da Várzea em canoa para lecionar em aldeia caingangue. Fotos de Tadeu Vilani

Ka é árvore
Kakane é laranja

A menina indígena Taina da Silva, oito anos, transforma sua língua caingangue em português. Com orgulho, impõe a mão esquerda no quadro negro. Desperta o interesse de seus colegas, que viram o rosto a cada nova torção do giz branco.

Kamé é sol
Kanhokre é lua

Taina depende da disposição aventureira de duas professoras para continuar aprendendo.

Loreni Graebin, 47 anos, e Nely Maria dos Santos, 54 anos, moradoras de Rodeio Bonito, cidade de 5,7 mil habitantes, situada a 413 quilômetros de Porto Alegre, são as discretas heroínas do ensino.

Por um salário simbólico, atravessam o perigoso Rio da Várzea para lecionar na aldeia caingangue. Vestem os coletes salva-vidas e assumem um cantinho da canoa verde da Funai, embarcação ainda dependente do remo e do temperamento da correnteza.

– Necessário prestar atenção: para não ser atropelado por um boi morto ou um tronco perdido nas águas – avisa Loreni.

Loreni é a diretora da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Francisco Kajero, que atende 182 alunos, do outro lado da margem, em Liberato Salzano.

Nely é coordenadora pedagógica e ampara a aldeia de 124 famílias do povoado caingangue, procurando convencer crianças e adolescentes a não abandonar a escolaridade, apesar dos hábitos diferentes e da gravidez precoce (meninas de 12 anos costumam casar e ter filho).

Ambas têm no currículo mais de três décadas de magistério. Também são as únicas do quadro docente de 15 professores, que passam o dia inteiro na escola.

Poderiam estar numa situação mais cômoda, sem correr riscos, sem penar por ônibus de uma em uma hora, sem enfrentar a correnteza de 250 metros, sem percorrer a pé mais de um quilômetro de mata fechada, mas são incansáveis. Pelo prazer de explicar o mundo, continuam acordando às 7h e regressando às 17h.

– Meu marido já cansou de perguntar por que não desisto. Ensinar é um vício, é se apaixonar dentro do amor – afirma Loreni.

– Salto alto na aldeia é galocha, as calças terminam barrentas e não se usa tênis. Eu me envaideço de frases – explica Nely.


Quando não há nenhum morador caingangue esperando na beira para levá-las, as professoras tomam o barco e remam. Não ficam contando as horas.

– O espetáculo tem que continuar – diz Nely.

– Uma vez quase morri, o rio estava crescido e me levou para baixo. Não adianta gritar, mantive a calma e esperei socorro, até que me encontraram presa nas folhagens de Rodeio Bonito.

O perigo é amenizado pela admiração dos alunos, sempre puros, carentes e leais. Houve também melhorias na infraestrutura em 2010. As ocas e galpões tomaram a forma de prédio com ventiladores.

– Os índios têm um respeito formidável pelo conhecimento, ser professor não é visto como uma profissão, mas como um dom, um traço divino – esclarece Nely.

– Eles nos agradecem por estar com eles, é algo da escola de antigamente, de devoção a quem transmite ideias – pontua Loreni.

Unhá é boa/bom

– É a palavra se olhando no espelho – confessa Taina, completamente feliz com sua observação.

– Então vamos penteá-la! – completa Nely.

Taina escreve em letra lenta e caprichada, acentuando as tranças nos dois i:

– Sivi

Nely e Loreni se entreolham e perguntam o que é aquilo:

– Vocês em caingangue: Lindas!





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 36, 17/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16828
Veja vídeos mostrando a travessia do Rio da Várzea.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O PIJAMA DO PAPAI

Arte de Cínthya Verri

Não sou fã de pijama. Dispenso o figurino. Nem que seja marroquino, ou de seda mais pura.

Muito diferente de meus amigos, como Mário Corso, alucinado pelos trajes de dormir, disposto a combinar polaina com pantufas. Ele enxerga rigor no conforto, a ponto de confundir o pijama com um smoking do sono, um fraque da preguiça.

Eu não suporto, é meu pesadelo de pano; tenho alergia, urticária, repulsa. A princípio, alego motivo nobre. Assim como os ambientalistas protestam em desfiles de casacos de pele, participo de campanha ecológica contra o fim do homem.

Pijama, nunca. Em seu lugar, recorro ao abrigo macio, mais apropriado e prático. Já acordo vestido, sem o transtorno de me trocar para atender visitas.

Pijama, nunca. Defendo sua extinção como um princípio imutável do caráter. A escolha reflete bom gosto, refinamento de estilo.

Não me faltam argumentos. Pijama não é sensual, traz sempre bolsos para desfigurar o peito com canetas e papéis. Tem um componente broxante, que é uma braguilha sem zíper. Seu uso adoece os olhos, não sei se são as listras ou as cores, algo faz com que seu dono procure o oftalmologista e passe a adotar óculos de leitura.

O pijama corrompe a moda, estraga a aparência, prejudica a libido. Com ele, o homem aceita a velhice, entrega os pontos. Baixa a crista, o queixo e outras coisas mais. É uma castração moral, um canil de botões. Logo mais o sujeito estará assistindo novela.

Além dos motivos mais do que razoáveis, meu preconceito conta com uma explicação científica. Há um trauma vestindo a rejeição.

Meu pai existia em casa até a hora de pôr o pijama.

Quando colocava as duas peças azuis, desaparecia. Evaporava. Partia para ler romances policiais na cama. Trancava a porta do quarto. Como chefe de gabinete, a mãe repreendia qualquer aproximação:

- Não incomoda seu pai, ele está de pijama.
- Seu pai não pode atender, ele está de pijama.
- Tem certeza que não consegue carona com algum amigo, meu filho? É que seu pai está de pijama...

O pijama era o escritório paterno. Seu isolamento. Sua farda militar. Seu esconderijo matrimonial.

Era o mesmo que estar dormindo, o mesmo que estar morto.

Ele continuava pai com qualquer outra roupa, menos de pijama. Escutávamos seus chinelos pelo piso de madeira, o chiado da asma, o ronco, o barulho da descarga, ouvíamos sua voz comentando de manhã sobre algum colega de trabalho, mas não o enxergávamos. Não podíamos vê-lo.

Até hoje, ao telefonar de manhã para o meu pai, em vez de perguntar se ele está acordado, questiono se ele está de pijama.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

TWITTER

Foto de Tadeu Vilani

Fui eleito um dos 215 melhores perfis do twitter pela Superinteressante. A revista escolheu seis representantes literários da rede. Ao meu lado, estão Millôr Fernandes, Xico Sá, Contardo Calligaris, Ana Guadalupe e João Paulo Cuenca.

COMO EU VEJO A MODA



Moda é opinião. Piso na rua e já estou participando de uma enquete.

Moda é romance. Ajudar uma mulher a se despir é interesse, ajudá-la a se arrumar é cavalheirismo.

Moda é pensar. Toda roupa é um diário: o que imaginamos na hora de comprar, por que compramos, quando se usou pela primeira vez, o que significa emocionalmente, o que ela ofereceu para nossa companhia.

Toda roupa é um confidente: conversamos com os botões, guardamos as mãos nos bolsos, sofremos com as manchas.

Toda roupa é a possibilidade de nascer de novo.

Os tecidos são lembranças daquilo que imaginamos.


Publicado na revista Moda - Joyce Pascowitch
Edição 19, setembro de 2011, P. 14
Coluna Como eu vejo a moda
São Paulo (SP)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O AMOR PERDOA TUDO

Arte de Robert Rauschenberg

Fotos de amor são ridículas, mas ainda mais ridículo é nunca tirar fotos de amor.

Não há como esnobar certas aparições, manter pose de intelectual e prometer que dessa máquina não beberei.
Existem fotografias obrigatórias na nossa existência, fiascos essenciais que continuaremos reproduzindo até o Juízo Final. Representam estreias, nascimento, inaugurações, onde é impossível rejeitar o clique. Guarde a reclamação e a timidez no estojo, ficará condicionado a tolerar o xis, olhar o passarinho, arrumar um lugar na barreira e aceitar as ordens de incentivo do fotógrafo.

São imagens que partilham o mistério da música brega: ninguém conhece, todos sabem a letra.

Referem-se às cenas fundamentais do ciclo da vida, espécie de cartões-postais familiares. Sem eles, a sensação é de que não nascemos, de que não tivemos família, de que não pertencemos à normalidade fotogênica do mundo.

É o mesmo que visitar o Egito e não posar na frente das pirâmides, visitar Paris e não ostentar a Torre Eiffel ao fundo do plano, passar pela China e desdenhar as curvas da Muralha.

De que flagrantes estou falando?

Daqueles que não podemos fugir, senão demonstraremos indiferença, frieza, falta de emoção.

Daqueles que debochamos ao encontrar na gaveta dos outros e que ocupam a maior parte de nossos porta-retratos.

Um deles é a troca de cálices no casamento. Quando o noivo e a noiva embaralham os braços. Apesar do desconforto tentacular, o casal tem que sorrir. Qual o menos pior: este brinde de espumante ou o corte a dois do bolo do casamento? Trata-se de uma disputadíssima concorrência para abrir o álbum.

Lembro também do clássico beijo do pai na barriga da gestante. A grávida sempre está nua, o que é involuntariamente engraçado. O homem surge agachado com roupa social diante de sua companheira pelada. Se não fosse a criança por vir, estaria na parede de uma borracharia.

Não dá para esquecer a grande angular do baile de debutantes: as adolescentes como time de futebol, posicionadas em diferentes degraus. E a nossa foto tomando o primeiro banho, usada pela mãe para nos envergonhar na adolescência. E sem os dentes da frente, e lambuzado de chocolate, e sendo lambido pelo cachorro.

Fotos ridículas e inesquecíveis, adequadas para chantagem e suborno, mas que se tornam – por vias tortas – recompensas do amor.

São justamente as fotos que vamos procurar para sentir saudade. E, ao lado dos filhos, rir e chorar ao mesmo tempo.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 13/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16824

sábado, 10 de setembro de 2011

MESTRE-CUCA

Com suas massas recheadas irresistíveis, Borghetti ajudou a sepultar plano de dieta coletiva. Foto de Tadeu Vilani.

Lagoa dos Três Cantos, situada no Planalto Médio, a 277 quilômetros da capital gaúcha, ficou conhecida como a cidade mais obesa do Brasil em 2001, em pesquisa da Organização Mundial da Saúde.

60% dos moradores estavam acima do peso e fugiam da balança.

A partir de convênio da Prefeitura com o Hospital Santa Casa de Misericórdia, houve uma dieta coletiva que durou até 2004. O programa de reeducação alimentar utilizou o telefone e a internet (www.emagrecendo.com.br) para monitorar pacientes. Os alimentos foram transformados em números. As mulheres não poderiam ultrapassar 330 pontos por dia, os homens estavam restritos a 450 pontos. As refeições ganharam reforço de matemática. A calculadora tomou o lugar de honra do guardanapo. Um copo de cerveja valia 33 pontos, um bife à parmegiana correspondia a 185 pontos.

A população bem que tentou, chegou a emagrecer quatro toneladas, a média decresceu de 82 para 75 quilos, mas no fim a comunidade sucumbiu à terrível tentação: as cucas deliciosas do Borghetti.

O italiano Ivaldo Fioravante Borghetti, 70 anos, é o vilão do regime da pequena localidade alemã. Ninguém resiste às suas massas caseiras, recheadas de morango, framboesa, uva, tangerina, coco, chocolate e doce de leite.

– O regime é propaganda para a comida. Controlando as calorias, sentimos saudade da liberdade da infância – teoriza.

Ele é o Anticristo dos anoréxicos e dos bulímicos, o inimigo número 1 do colesterol. O perfume de sua padaria na Avenida Otto Radtke tonteia os passantes e vicia os vizinhos.

– A cuca de Borghetti é uma arma irresistível de açúcar. Se uma fatia da cuca equivale a 89 pontos e é impossível comer uma só, não dava para segurar mesmo a cota – explica a funcionária pública Georgia Walker, 38 anos.

– Ele arruinou nossas pretensões de magreza. Eu inicio e termino o expediente comendo cuca. Não consigo parar – expõe Cláudia Regina Schmidt, 32 anos.

A desculpa de Ivaldo para a expressiva venda é o grande número de turistas consumidores.

– Já mandei produto por sedex para Mato Grosso. Atendo muito pedido de fora – defende.

– Me engana que eu gosto, nós é que comemos demais – desmente a agricultora Rejane Freis, 42, que sofreu o efeito sanfona dos conterrâneos, emagreceu 36 quilos e voltou a engordar tudo de novo.

Ivaldo não tem o que explicar. Sua padaria vende 1,6 mil cucas por semana, exatamente o mesmo número de habitantes de Lagoa dos Três Cantos. Durante março, abril e dezembro, períodos festivos, a fabricação dobra para 3 mil unidades.

Não existe toalha de mesa que não conheça os farelos de seus confeitos.

A mulher, Lairdes, 63 anos, a responsável pela famosa receita do doce, também ganhou seis quilos. Nem ela escapou do feitiço:

– Nosso problema é que comemos ligeiro, e nunca é o suficiente.

A filha de Ivaldo, Claudete, 45 anos, acha que o sobrepeso é resultado da interminável vocação festiva.

– Todo final de semana tem festa. Ou é bolão ou é bocha ou é futebol ou é galeto de Igreja ou é churrasco de escola – afirma.

O padeiro encolhe os ombros alegando que não tem nada a ver com a gula do município.

– Não tenho culpa se o pecado é bom. O inferno é o céu da boca.





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 36, 10/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16821
Veja vídeos mostrando a rotina da famosa padaria.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

INSCRIÇÕES ABERTAS PARA OFICINA LITERÁRIA

Imagem de Tadeu Vilani



Após oficina sobre amor e sete pecados capitais, apresento um intensivo de escrita criativa explorando os seis sentidos. 

As inscrições estão abertas e podem ser feitas pelo e-mail atendimento@clinicaverri.com.br ou pelo telefone (51) 3022 4444.

É meu último curso em Porto Alegre neste ano, onde reunirei técnicas como terapia literária, consultório poético e laboratório de crônicas e contos.

Serão seis encontros ao longo da última quinzena de setembro, das 20h às 22h, no Espaço Madame Bovary, do restaurante Suzanne Marie (Rua Tobias da Silva, 304). Cada aula será dedicada a explorar ficcionalmente nossas principais forças sensoriais: 21/9, quarta (Visão), 22/9, quinta (Audição), 23/9, sexta (Tato), 26/9, segunda (Olfato), 27/9, terça (Paladar) e 28/9, quarta (Intuição).

O objetivo é compreender o passado e investigar as virtudes e possibilidades do corpo e da mente. A oficina inédita pretende trabalhar a confissão e os relacionamentos na articulação de experiências de estilo, a partir de leitura de clássicos e autores contemporâneos.

O aluno receberá ajuda para selecionar o que tem importância literária daquilo que foi vivido, incentivado a despertar evocações e lembranças secundárias, comparações e relações imprevisíveis do cotidiano.

Vinte vagas. 
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Apoio:


A CHAMA AZUL



"As estrelas
não caem longe da árvore"


Depois de sete anos, minha mãe Maria Carpi volta a lançar um livro de poesia. Estará autografando A Chama Azul (AGE Editora), uma meditação lírica sobre Joana D'Arc, na segunda (12/9) , às 19h, na Livraria Saraiva do Praia de Belas Shopping (Av. Praia de Belas, 1181 - 2º piso). Todos estão convidados.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

TODO CABELEIREIRO É TERRÍVEL

Arte de Jasper Johns

Nunca converse com o cabeleireiro. Fale por mímica. Não responda a nenhuma pergunta pessoal. Ao cair em tentação, perderá o controle de sua vida.

Resista ao charme andrógino. Evite encará-lo. Como a Medusa, somente olhe pelo espelho. Essencial entregar o pedido por escrito e se calar durante a próxima meia hora.

O movimento inicial dele é de ópera. Levantará suas mechas para cima, num sorteio de cartas, para lamentar o azar:

– Não sei o que você fez até hoje, seu cabelo está desidratado, sem forma, sem brilho...

Mantenha-se quieta, impassível, perante as reticências. Com uma simples concordância, ele ganhará confiança e escreverá sua biografia. Com um mero aceno de queixo, ele ditará o destino do seu cartão de crédito.

– Não dá mais, amiga, para se judiar tanto. Melhor se matar logo, não morrer lentamente para o mundo inteiro ver sua decadência. Tem que iluminar o rosto, abrir o tom, repicar as pontas. Assim é juízo final, início de novela, quinto dos infernos. O que houve, amor, anda infeliz? Falta de sexo?

Primeiro, ele responde por você, em seguida pergunta como se não soubesse da resposta.

Ficará impressionada com a sensibilidade da figura. O cabeleireiro é um cartomante dos cachos – ele nos convence com nossas próprias confissões.

Aceitará fazer luzes, corte, banho de creme, pintura, tudo o que for proposto como saída da crise. Estará chorando debaixo do secador (que é mais confortável do que no chuveiro), descrevendo horrores de seu marido, que não é valorizada e se arrependeu de casar.

O cabeleireiro é letal, uma manicure pessimista. Não deixa pedra sob pedra, fio sob fio, palavra sob palavra. Muito diferente do barbeiro, que se mantinha respeitoso e distante.

O barbeiro foi a última fronteira heterossexual do século 20. Dava uma dignidade para a luta do macho, a lâmina subjugava a tesoura. Havia a certeza de que, mesmo a vida não sendo fácil, valia o esforço, era importante seguir firme sustentando a família.

O barbeiro alcançava o status de confessionário perfeito, guardava os nomes dos clientes e esquecia os pecados. O cabeleireiro é o contrário: um DJ, alarmista e incendiário, espalha os segredos pela pista, mistura verdades, arranha discos, não poupa ninguém. Seu olhar é julgamento, sempre há algo de errado que devemos corrigir ou que não cuidamos ou que não prestamos atenção. Ele anda com seu coldre para mudar as cabeças das pessoas.

O que me põe a pensar que a mulher não corta o cabelo quando se separa. Mas ela se separa depois de cortar o cabelo.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 06/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16817

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

SETEMBRO BOM À BEÇA

Imagem de Tadeu Vilani

06/09 (terça-feira) – Porto Alegre (RS), 9h
Fronteiras do Pensamento - Geração Z
Local: Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110)
Contato: (51) 30192314

06/09 (terça-feira) – Venâncio Aires (RS), 15h e 19h30
12º Feira do Livro de Venâncio Aires
Patrono
Local: Pavilhão São Sebastião Mártir
Contato: (51)3741 5668

07/09 (quarta-feira) – São Paulo (SP), 20h
VII Encontros de Interrogação
Mesa Redonda com Lygia Fagundes Telles, Marcelino Freire e Maria José Silveira
Local: Sala Itaú Cultural (Avenida Paulista 149)
Contato: (11) 2168 1736

8/09 (quinta-feira) – Rio de Janeiro (RJ), 17h30
Bienal do Livro do Rio de Janeiro
Palestra na sessão Mulher e Ponto com Viviane Mosé
Tema: Quem são as mulheres de hoje? Independentes ou em crise com a independência conquistada?
Local: Riocentro (Av. Salvador Allende, 6555 - Barra da Tijuca, RJ)

09/09 (sexta-feira) – Gramado (RS), 17h
XIX Congresso da Associação Junguiana Brasileira
Mesa redonda A Hora da Maldição – Veia Poética
Local: Hotel Serra Azul (Rua Garibaldi, 152)
Contato: (51)33329293

12/09 (segunda-feira) – Guarapuava (PR), 19h30
Semana Literária Sesc Maringá
Palestra com Alice Ruiz – Literatura e Sedução
Local: Sesc Guarapuava
Contato: (44) 32623232 Ramal 2755

13/09 (terça-feira) – Campo Mourão (PR), 20h
Semana Literária Sesc Maringá
Palestra com Alice Ruiz – Literatura e Sedução
Local: Salão Social do Sesc Campo Mourão
Contato: (44) 32623232 Ramal 2755

14/09 (quarta-feira) – Umuarama (PR)
Semana Literária Sesc Maringá
Palestra com Alice Ruiz – Literatura e Sedução
Local: Salão Social do Sesc Umuarama
Contato: (44) 32623232 Ramal 2755

15/09 (quinta-feira) – Paranavaí (PR)
Semana Literária Sesc Maringá
Palestra com Alice Ruiz – Literatura e
Local: Centro Esportivo do Sesc Paranavaí
Contato: (44) 32623232 Ramal 2755

16/09 (sexta-feira) – Maringá (PR), 20h
Semana Literária Sesc Maringá
Palestra com Alice Ruiz – Literatura e Sedução
Local: Sesc Maringá
Contato: (44) 32623232 Ramal 2755

24/09 (sábado) – Ilha de Santana (RN), 20h
III Feira do Livro do Seridó
Palestra

27/09 (terça-feira) – Porto Alegre (RS), 9h
Fronteiras do Pensamento - Geração Z
Local: Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110)
Contato: (51) 30192314

29/09 (quinta-feira) – Porto Alegre (RS), 19h30
18ª Feira do Livro do Colégio João Paulo I
Patrono
Local: Unidade Sul  (Travessa Pedra Redonda, 400)

sábado, 3 de setembro de 2011

A INFÂNCIA DE MINHA MULHER

Fabrício Carpinejar na entrada da casa onde Cínthya Verri (na foto, aos três anos)...... sua musa, morou em Constantina. Foto de Tadeu Vilani

Eu imaginava como teria sido a infância de minha mulher: onde cresceu e como formou seu temperamento. Desejava tê-la conhecido quando pequena: o que ela diria para mim se eu fosse seu coleguinha de jardim? Será que me cuidaria e pediria para que limpasse a mancha de pasta de dente no rosto como faz hoje? Será que me amaria quando ainda não me amava?

Decidi reconstituir a primeira década de vida da minha esposa Cínthya Carina Santos Verri, médica e psicoterapeuta, que completou 31 anos ontem. Fui visitar sua terra natal, Constantina, município de 10 mil habitantes, situado a 355 quilômetros de Porto Alegre, no extremo norte do Estado.

Ela me falava que Constantina era uma cidade vermelha. E vi que é mesmo, com barro manchando as pedras das calçadas. Ela me falava do cheiro de madeira e de hortelã de manhãzinha. E constatei o incenso natural descendo a ladeira da João Mafessoni. Ela me falava das ruas largas. E confirmei que são mesmo, folgadas como roupas de gestante.

E observei muito mais; que os moradores confiam um nos outros e põem os tapetes na grama da praça para secar ao sol e murmuram boa-noite para dormir a sesta.

Cínthya nasceu de cesárea em 1980, no Hospital da Comunidade, dirigido pelo seu pai Ciro. Ela morava numa casa de esquina, ao lado do ambulatório, junto da mãe Wanda e seus dois irmãos mais velhos Ciro Gustavo e Ciro Ricardo.

– Ela chamava a casa de “três garagens”, por ser o único imóvel na localidade que apresentava a trinca de box – acrescenta sua professora da 2ª série, Neusa Ana Giacomini Rosa, 53 anos. – E se sentia encabulada por ser filha do médico, fugia de privilégios – completa.

Por mais que tentasse desaparecer, a caçula da família Verri chamava a atenção pela elegância. Sua mãe arrumava um jeito de diferenciá-la, sem desobedecer ao uniforme obrigatório da Escola Santa Terezinha. Diante da exigência da blusa branca e do abrigo laranja, ela surgia com uma inacreditável gravata-borboleta, extremamente harmoniosa com o conjunto.

– Cínthya? Filha do Dr. Ciro? Vestida como uma princesa, aventureira como um guri – comenta sua colega Daviana Paula Leal, 31 anos.

Eu ouvia e comparava sua meninice com as atitudes de nossa relação, tudo fazia sentido, é apaixonada por esportes (rapel, surf, maratona) e longas viagens, detesta ser favorecida, odeia depender de alguém, escolhe o traje do dia em função de um acessório e coleciona gravatas.

A “profe” Neusa recorda de sua inteligência elétrica.

– Ela não marcava a linha com o dedo no momento de ler, veio alfabetizada para a 1ª série e terminava as tarefas antes da turma.

Cínthya não admitia perder tempo. Enquanto esperava a classe encerrar os trabalhos, inventava presentes, trazia cola e fitas. Seu estojo de lápis se assemelhava a uma caixinha de costura.

– Criava brincos e pulseiras e me entregava, e depois cobrava quando não colocava, lamentando que eu não tinha gostado – ri Neusa.

Minha esposa continua igual, repara se uso ou não o presente e exige que seja sincero. E nunca renunciou o hábito de elaborar camisetas e quadros para os aniversários dos amigos.

A vizinha Terezinha Paludo, 68, destaca que ela chefiava as filhas Patrícia e Angela nas brincadeiras:

– Era a menor e a mais decidida. Organizou o concurso Miss Rua Nereu Ramos, em que convocava as conhecidas para desfilar de maiô.

– Consertava as Barbies do bairro, já sonhava em ser médica – confessa Angela, 31 anos, uma de suas assistentes de beleza na época.

Compreendi que a Cínthya é a própria cidade: sensível, desconfiada, destemida, direta.

Para tocar o coração do passado, entrei na residência em que ela morou até se mudar para Passo Fundo, em 1990.

O casarão está abandonado, pronto para ser demolido. Procurei a seringueira no pátio, árvore da qual ela caiu aos cinco anos e que sobreviveu graças ao socorro rápido do pai, mas não estava mais lá. Procurei seu quarto amarelo, mas não havia cor nas paredes para diferenciar os cômodos. Sentei na borda da piscina suja e com água a meia-altura, fechei os olhos e, por um breve momento, parecia que ouvia os pedais de uma bicicleta. Uma menina gargalhava e dava voltas pelas bordas. Cada vez mais rápidas. Era Cínthya aprendendo a andar com a bicicleta vermelha de rodinhas.

Eu agora poderia amá-la pela vida inteira, com toda a vida dela: conhecia sua infância.





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 35, 03/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16814
Veja vídeos da procura de Carpinejar por informações de seu amor em Constantina.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MENTIRA OU VERDADE?

Veja minha participação no Jornal do Almoço, na RBSTV, na sexta (2/9). Respondi dúvidas de telespectadores sobre mentiras e verdades na relação.

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