quarta-feira, 16 de junho de 2010

PLAQUETAS DE AEROPORTO

Arte de Cínthya Verri

Sempre acalentei o sonho de desembarcar no aeroporto e assumir uma identidade falsa. No saguão, avistaria uma placa, tipo Sr. Nertal, e abandonaria meu CPF:

— Sou eu!

Não forçaria intimidade, soltaria evasivas sobre as condições climáticas e o tempo de viagem. O impostor é que tem necessidade de convencer e fala pelos cotovelos.

Seguiria no carro com a arrogância de um casaco na mão. Seria levado para um negócio ou uma trama no escuro, concordando nas duas primeiras perguntas e discordando nas seguintes. No primeiro contato, não existem questões dissertativas, somente de múltipla escolha. Até um chutador de vestibular goza de método e cria ordem da casualidade. Fácil convencer que sou um outro, a maioria das comitivas de recepção não conhece realmente o convidado.

Não arrisquei ainda porque não provoco mais a minha sorte. Terminaria numa emboscada de traficantes ou num encontro sigiloso de cobaias de medicamentos.

O que me enerva nas minhas chegadas é que qualquer coordenação de feira e palestra promete que haverá um motorista me aguardando com a plaqueta de meu nome. Nunca há. O motorista tem vergonha de receber alguém. É sua maior humilhação, entende como um rebaixamento de seu posto. Uma agressão ao seu status. É acumular cargos. Alguns mandam os filhos para se prevenir das piadas dos conhecidos. Outros, mais religiosos, supõem que a clarividência irá salvá-los, que desvendarão o passageiro pelo cheiro de poltrona e pelo trotear das malas.

O impasse é que o motorista ou seu representante juvenil deixa o cartaz entre os joelhos e o umbigo, totalmente abaixado e virado. Quase como protegendo o saco numa cobrança de faltas. É o único lugar que não vou olhar.

Realizei centenas de voos e não ganhei sequer um letreiro levantado ou afixado no peito. Era minha aspiração literária: experimentar um dia de torcida para quem não foi esportista e não ouviu seu nome gritado pelas arquibancadas. Que seja uma cartolina escolar com letras falhadas e a régua de lápis por baixo. Não exijo um impresso, que é muito profissional. Eu me bastaria com uma folha de ofício e caligrafia apressada de agente rodoviário.

O que costuma ocorrer é pousar, passear pelas salas e não localizar ninguém paramentado, telefonar para a produção, descrever minhas roupas e descobrir que o motorista estava ao meu lado, discreto e despreocupado cortando as unhas no cinzeiro. Atendemos os celulares ao mesmo tempo e ele não sente culpa alguma pelo desencontro. Pega o papel indigesto, amassa em quatro vias e coloca no bolso.

Motorista abomina porta-estandarte, não admite ser passista de aeroporto. Sofre cólica ao imaginar que espera um macho. Deduz que terá prejuízos incalculáveis com sua clientela. O cartaz é seu airbag, o último recurso numa colisão.

Já flagrei um buscador com guardanapo de boteco. Só que ele não precisava assoar o nariz com meu sobrenome.



Crônica publicada no site Vida Breve

11 comentários:

O Neto do Herculano disse...

Assumo várias identidades durante o dia, mas no fim todas se parecem comigo.

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

"Sempre acalentei o sonho de desembarcar no aeroporto e assumir uma identidade falsa" e escrevndo bobagens como estas você é festajado pelos tolos amantes de literatura vazia como tua prosa vã

Carpinejar disse...

E pelos casados também. Risos. Inveja mata. abraço Fabro

zildete melo disse...

Seu desejo é uma ordem, poeta.
Da próxima vez em que vc desembarcar na minha cidade, meu avatar estará te esperando com uma placa muito especial. E seja o que você quiser.

Tati disse...

Enquanto lia ía me imaginando na situação. Chato... Cansada da viagem, buscar mala, descer (ou subir) e encontrar... nada? Dúvidas? Ansiedade de ter sido esquecida... Mas aí, pensei que poderia usar o recurso invertido. Tudo bem, sem glamour, sem a sensação de ser sensação, mas que tal uma camiseta com seu nome em letras garrafais? Desembarca, pega mala, segue até o saguão ou qualquer marcado e levanta a camiseta de cima, mostrando o nome na de baixo, assim, como quem fez gol de placa!!
Beijos.

Anônimo disse...

Pense, homem: pior se ele tivesse assoado seu sobrenome num guardanapo de primeira.

Gostei muitíssimo da postagem!

Abraço

*Desculpe-me por não resistir a uma piada, ainda que de mau gosto por pura falta de senso.

Ramiro Conceição disse...

"O que costuma ocorrer é pousar, passear pelas salas e não localizar ninguém paramentado..."

Ora Poeta, então...


BRINQUEDOS
by Ramiro Conceição

É bonito
ver brinquedos
espalhados
numa sala:
é a ordem que
desobedece
a desordem
da morte
que não basta;
é a vida que,
sem medo,
se espalha
entre seres
e galáxias.

ana disse...

Encontrar alguém com uma placa no aeroporto é a certeza de que entre a viagem e a chegada existem ainda alguns momentos de prazer, como sermos delicadamente conduzidos ao automóvel e relaxarmos confortavelmente num banco macio ouvindo notícias sobre o tempo, enquanto a paisagem lá fora nos dá a sensação de que a viagem continua.

Érica. disse...

hahaha
Tu sabes que é meu sonho também?
Viajo toda semana e fico triste ao sair e não ver uma placa com meu nome.
Só pra sacanear, qdo eu avisto uma placa com nome de mulher, vou ao encontro, chego bem perto e qdo a pessoa vai me dar mão, eu sorrio e desvio. É minha vingança!bjos

HUGOSALUM disse...

Show...Maravilhoso...saiba que compartilho desta vontade também, mas minha imaginação vai bem mais além, bem mais sem juízo e sem rédeas..hahahaha.
Parabéns...

Kleber disse...

E quando não há sequer o carro?
Lembra?
Abraços!
Kleber - BH